segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Hermenêutica Jurídica - Aula 09 - Perspectiva histórico-científico

Perspectiva histórico-científico

     A ciência histórica é uma das maiores frutificações desse campo. Até onde nos parece a história surge a partir de uma perspectiva hermenêutica. Vimos que Maquiavel, Hugo Grócio e muitos autores do século XVI utilizavam dos recursos históricos para aprender sobre experiências políticas.

     Podemos dizer que a hermenêutica jurídica é 'filha' ou 'irmã' da hermenêutica histórica. No perspectivismo, a depender da perspectiva do hermenêuta, trará a interpretação de história. Assim, tudo começa com perspectivismo histórico.

     Perspectivismo histórico, é umas das questões mais interessantes quando o sujeito se apropria da história. A discussão mais interessante na escola histórica é a sobre o objetivismo e seus dados, a objetividade do conhecimento que o intérprete não tem como retirar da ciência histórica.

     Qual é o critério subjetivo para se julgar dentro da história, se quem conta a histórica conta a partir de um ponto de vista? A crítica a Maquiavel é que o sujeito acaba modificando os fatos históricos para mostrar sua visão pessoal.

     O grande problema é encontrar o dado histórico que permita com que o hermenêuta faça uma análise histórica verdadeira e objetiva. Quais são os dados históricos que podem ser usados para fazer a interpretação? 

    O grande problema da escola histórica vai ser o objetivismo e até que ponto o conhecimento histórico se constitui em dados objetivos de análise. Em contraposição ao subjetivismo inerente à própria ciência histórica, que é a questão da perspectiva, todo aquele que conta a história conta a partir de uma perspectiva própria. Um grande problema é delimitar os marcos históricos da transição. Não se tem um consenso, cada um leva em conta uma perspectiva.

     Subjetivismo: toda interpretação histórica parte de um ponto de vista, e isso é um problema, parte de um subjetivismo. Pela análise histórica é possível compreender a intenção do autor. Tem como chegar a camadas mais profundas de interpretação do próprio sujeito. Pois, a princípio, o autor mostra um conhecimento da região e século que ele vive. Schleiermacher vai propor a ideia que o sujeito é prisioneiro do próprio tempo histórico, é representante partidário do seu tempo histórico. 

     Não se trata da linguagem em si, mas sim de que, aquele que articula a linguagem é um sujeito historicamente constituído. Conhecendo seu tempo histórico tem-se como chegar à perspectiva e ao conhecimento do autor. Veja que é o particular dentro do universal. A linguagem é universal mais a perspectiva histórica é particular, é o que particulariza a linguagem.  

     A história particulariza a linguagem: a linguagem é condicionada pelo seu tempo histórico, a delimitação de um conjunto histórico constitui a 'fala' do seu jeito, o indivíduo não fala o 'universal', ele fala o seu tempo histórico.

Análise da escritura histórica

     A doutrina do ponto de vista e a objetividade da interpretação: Todo hermeneuta que despreza o conhecimento histórico estará desprezando um dos meios de encontrar a intencionalidade do texto. Ele nunca vai poder saber a intencionalidade do autor se não souber sobre o tempo histórico do autor. Se o intérprete desprezar o tempo histórico do autor, estará julgado a obra de acordo com o próprio tempo histórico. A leitura literal de quase tudo causa isso, exemplo: a Bíblia.

     O desvelamento da intenção do autor do texto vem pela leitura de seu tempo histórico e a descoberta de sua perspectiva. Na interpretação histórica gera-se a perspectiva que era a intenção do autor que gerou o texto. Mas o hermenêuta parte do texto para a análise histórica a fim de descobrir a perspectiva, para depois chegar até a intenção do autor. Esse é o processo do hermenêuta, desde que o elemento histórico se constitua no método de análise objetiva, pois o método de análise está na parte histórica.

     Dentro da análise histórica o intérprete trabalha com o conteúdo explícito e o implícito (entrelinhas). É pelo conhecimento histórico que ele consegue ler as entrelinhas. Não se sabe até que ponto pode-se afirmar que a intenção do autor é aquela, até onde o objetivismo está ligado à interpretação histórica.

     O grande problema do historicista é compreender a realidade na qual está inserido, e é a partir de Schleiermacher que vamos conhecer os métodos de análise. 

Schleiermacher: a universalidade do mal-entendido

      Schleiermacher vai trabalhar a questão da hermenêutica não trabalhar com certas obscuridades, o texto inteiro é um grande desconhecido, todo campo da linguagem é um mal-entendido.
 
     Você se apropriar do método para elucidar certas passagens do texto é uma perspectiva porque aquele que lê de um modo detecta certas obscuridades e outro identifica outras obscuridades. Então a obscuridade depende do sujeito, então todo texto é um mal-entendido.
 

     Dependendo do conhecimento de fundo de cada um surge certos tipos de obscuridades.
 

     Schleiermacher diz que a interpretação não deve orientada somente nas passagens obscuras, mas sim sobre todo texto, o qual deve ser submetido ao método de interpretação, pois todo texto é uma série de mal entendidos. A obscuridade só surge porque o intérprete não foi atento em todas as passagens.
 

     Schleiermacher só foi desenvolver essa técnica quando o racionalismo gera a incompreensão a modernidade. A partir de Kant, na verdade, teve uma critica à objetividade.
 

     A ciência é um série de mal-entendidos. Esse non sense que inaugura o nosso tempo histórico, até mesmo o conhecimento científico é um entre os outros conhecimentos.

     Quantos discursos os gregos tinham para interpretar o fenômeno histórico: o poético, o mitológico, o filosófico. Cada um com sua estrutura e partiam de estruturas diferentes e chegavam a interpretações diferentes.
 
     O folclore é um tipo de conhecimento que brota de um tempo histórico. Então Schleiermacher desvaloriza o conhecimento científico e vai valorizar os costumes. Do folclore para se chegar ao folkgeist (espírito do povo), ele vai dizer que o folclore expressa o espírito do século.


     Toda a perspectiva de crítica histórica, que vai influenciar Karl Marx, tem como seu germe o Schleiermacher, ele parte de uma perspectiva até então desconhecida. A utilização da histórica como uma espécie de crítica nesse campo vai ser inaugurado por Schleiermacher.

Schleiermacher

Premissas:
- Universalidade do mal-entendido


     Primeiro, as obscuridades dependem da perspectiva do intérprete. O mal entendido é inerente a todo o texto, todo o texto é passível de interpretação. As obscuridades que surgem é devido o intérprete não ter sido atento a todo o texto.
 

     Segundo, a hermenêutica deve ser aplicada à todo o texto, não apenas às obscuridades. Isso é importante porque em épocas passadas todo intérprete já ia analisar os textos com as obscuridades identificadas na própria cabeça, então essa ideia de delimitar o campo de estudo delimitava o ponto de obscuridade. Então corria o risco do intérprete identificar obscuridades antecipadamente (filme Pi estava só olhando para os 216 dígitos que poderiam ser encontrados em todo lugar), a escolha metodológica é anterior e não posterior, tem textos que não comportam certos tipos de interpretação. Schleiermacher rompe com a ideia de obscuridade.
 

     Terceiro, rompimento com a doutrina das obscuridades. Ele vai desenvolver o método dele com o qual se apropria da intenção do autor (parte interessante do pensamento dele).

     A linguagem é algo universal, enquanto estrutura, só que a linguagem não se articula sozinha, é articulada por sujeitos. Esse sujeito é historicamente definido, então essa universalidade cede frente a apropriação do sujeito. Dentro desse universal temos o código linguístico, que é uma forma de apropriação da linguagem que é universal, então você tem uma concepção regional, e dentro do seu país existem articulações feitas como as gírias e dialetos, particularização regional, e dentro dessa região, digamos que seus pais não sejam daquela região, isso influencia gerando outra particularização que é a esfera do indivíduo.
 

     Recortes de interpretação, cada um vai tomando um recorte do outro. Um limita o outro. Toda última interpretação vai ser necessariamente psicológica. O universal em Schleiermacher vai chamar de secular, o indivíduo vai interpretar a voz do seu século.


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RECORTES: GRONDIN (tradução de Benno Dischiger), Introdução à hermenêutica


A HERMENÊUTICA ROMÂNTICA E SCHLEIERMACHER

A passagem pós-kantiana do Esclarecimento para o Romantismo: Ast e Schlegel

     Século 19 se distinguiu por uma inaudita timidez por publicações. Foram os discípulos dos grandes clássicos (Schlegel, Schleiermacher, Boeckh e Droysen até Dilthey) que publicaram os trabalhos.

     A passagem do Esclarecimento para o Romantismo caracteriza-se por uma descontinuidade. O desenvolvimento de uma hermenêutica universal, com um ponto de partida mais radical, como arte da compreensão, é proposta por ele como algo novo e como um desideratum, destinado a satisfazer por primeiro seu esforço mental. Recorte histórico marcante entre Meier e Schleiermacher: Kant.

     A crítica kantiana atuou com eficácia histórica na derrocada do racionalismo.... Se o acesso ao mundo, e em nosso caso ao texto, ocorre sempre através de uma interpretação ou de um parecer subjetivo, então a reflexão filosófica que pretende ser originária, deve iniciar por este sujeito. Em sua esfera deve ser levantada a questão, como pode e se realmente pode ser obtida a objetividade em assuntos científicos ou hermenêuticos. A definição da hermenêutica como arte da compreensão, de Schleiermacher, incorpora novo sentido, tem como pressuposto a ruptura como acesso ao mundo, a qual se dá de modo não problemático e puramente racional.

     Em 1808, Ast propôs uma obra "Linhas básicas da Gramática, Hermenêutica e Crítica", tentava reconquistar a unidade de espírito da antiguidade e em toda a Histórica, expressa por adivinhação. O ponto de partida da concepção hermenêutica deste espírito é formado, no entanto, pelo conhecimento do espírito da Antiguidade.

     Nesse contexto se acrescenta nova relevância à doutrina hermenêutica do 'scopus', segundo a qual cada passagem deverá ser aplica segundo sua intenção e seu contexto. "A lei básica de toda a compreensão e conhecimento é a de encontrar, no particular, o espírito do todo e entender o particular através do todo" (círculo hermenêutico).

     A compreensão da hermenêutica pro Schlegel encontrou expressão nos Cadernos de filosofia em 1796-1797. Ele teve plano de tradução conjunta com Schleiermacher, de Platão.

     Schlegel orienta-se pela clássica subdivisão da Filologia em Gramática, Crítica e Hermenêutica. Como fundamento é proposta a Gramática.

     Se a hermenêutica deve um dia chegar à perfeição, requer-se um conhecimento histórico da Antiguidade.

     Shlegel defende com isso uma possível função universal da teoria hermenêutica após Kant, enquanto ele reconduz a arte da compreensão, a ser agora desenvolvida com urgência, ao clássico modelo "comprovado" da Antiguidade. O sujeito hermenêutico torna-se romântico: ele se volta para a Antiguidade, para explorar às apalpadelas* as regras artificiais de seu agir. Compreender é sempre um não entender, por que a tradução retroativa de uma expressão em algo compreensível, traz sempre consigo uma certa torção.

     Por sua fundamentação do Romantismo, Schleiermacher (1768-1834) foi decisivamente influenciado, quando ele se dispôs a incluir a fundamental insegurança do sujeito na teoria universal da compreensão.

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  • Referência
- GRONDIN, Jean - Introdução à hermenêutica filosófica; tradução de Benno Dischiger. São Leopoldo. Ed. UNISINUS, 1999.
Aula 05/09/2013, Hermenêutica Jurídica, Profº Ronaldo Alencar, com anotações de Régia Carvalho 
* apalpadela: sf (apalpar+dela2) 1 Ação de apalpar. 2 Investigação cautelosa. Andar às apalpadelas: cautelosamente, a medo.
Bons estudos!

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