segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Hermenêutica Jurídica - Schleiermacher: Richard Palmer (leitura complementar)

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O PROJECTO DE SCHLEIERMACHER DE UMA HERMENÊUTICA GERAL


A hermenêutica como arte da compreensão não existe como uma área geral, apenas existe uma pluralidade de hermenêuticas especializadas. Essa asserção traz o seu objetivo fundamental: construir uma hermenêutica geral como arte da compreensão. Essa arte é na sua essência a mesma, seja o texto um documento jurídico, um escrito religioso ou uma obra de arte. Há diferenças entre essas espécies de textos, mas subjacente a essas diferenças há uma unidade fundamental. Os textos exprimem-se numa língua e utiliza da gramática para encontrar o sentido de uma frase. Uma hermenêutica geral poderia servir de base e de centro a toda a hermenêutica <<especial>>.

Ainda não existe uma hermenêutica desse tipo. Em vez dela, existiriam várias <<hermenêuticas>> especiais: a filológica, a teológica e a jurídica.

Schleiermacher defendeu que a arte da exploração, que constituíra uma grande parte da teoria hermenêutica, estava fora da hermenêutica. Em Schleiermacher a hermenêutica transforma-se verdadeiramente numa <<arte da compreensão>>.

Questão como ponto de partida para Schleiermacher: como é que toda ou qualquer expressão linguística, falada ou escrita, é <<compreendida>>? A situação de compreensão pertence a uma relação de diálogo. Uma pessoa que fala e uma que ouve, o ouvinte recebe as palavras e consegue adivinhar o sentido por um processo misterioso, que é o processo hermenêutico. A hermenêutica é a arte de ouvir.

A compreensão como um processo de reconstrução

Para Schleiermacher, a compreensão enquanto arte é voltar de novo a experimentar os processos mentais do autor do texto. O orador ou autor construiu uma frase; o auditor penetra nas estruturas da frase e do pensamento. A interpretação consiste em dois momentos: o momento <<gramática>> e o <<psicológico>> (vida psíquica do autor). Assentada no princípio do círculo hermenêutico.

O círculo hermenêutico

Compreender é uma operação referencial, compreendemos algo quando comparamos com algo que já conhecemos. O círculo como um todo define a parte individual, e as partes em conjunto formam o círculo. Por uma interacção dialética entre o todo e a parte, cada um dá sentido ao outro; a compreensão é portando circular.

O círculo hermenêutico envolve uma contradição lógica, mas que não valida totalmente as tarefas da compreensão, pois há uma espécie de <<salto>> no círculo hermenêutico e compreendemos simultaneamente o todo e as partes. Schleiermacher deixou um lugar para a questão comparativa e outra questão intuitiva e divinatória, e para atuar eficazmente o círculo hermenêutico implica um elemento de intuição.

Temos que previamente possuir, até certo ponto, um conhecimento prévio, minimamente necessário à compreensão, sem o qual não podemos saltar para o círculo hermenêutico.

O círculo hermenêutico então opera, não só a nível linguístico como também a nível do tema em causa. Tanto o que fala como o que houve devem partilhar a linguagem e o tema do seu discurso. Tanto a nível do medium do discurso (linguagem) como da matéria do discurso (tema), o princípio do conhecimento prévio - ou o círculo hermenêutico - opera em todo o acto de compreensão.

Interpretação gramatical e interpretação psicológica

No pensamento mais tardio de Schleiermacher há uma tendência crescente para separar a esfera da linguagem (interpretação <<gramatical>>) da esfera do pensamento (<<técnico ou psicológico>>). A interpretação <<gramatical>> pertence ao momento da linguagem e Schleiermacher encarava-o como um procedimento essencialmente negativo, geral e mesmo limitativo. Contudo, a interpretação psicológica procura a individualidade do autor, o seu gênio particular.

Os usos individuais da língua acarretam mudanças na própria língua, e no entanto um autor defronta-se com uma língua sendo obrigado a imprimir nela a sua própria individualidade.

Tudo isso pressupõe que a hermenêutica tem como meta a reconstrução da experiência mental do autor do texto. O objetivo é reconstruir o próprio pensamento de outra pessoa através da interpretação das suas expressões linguísticas.

A abordagem gramatical pode usar o método comparativo e proceder do geral para as particularidades do texto; a abordagem psicológica utiliza tanto o método comparativo como o <<divinatório>>. O [método] divinatório é aquele em que nos transformamos no outro, de modo a captar directamente a sua individualidade. Contudo o objetivo último é ter acesso pleno àquilo que é significado no texto.

A compreensão hermenêutica como compreensão de estilo

Não só a gramática é um elemento indispensável na orientação e enfoque da nossa interpretação, como também a revelação psicológica da individualidade se expressa de modo essencial no estilo particular do autor. Em 1818 Schleiermacher resumiu a importância do estilo: <<A compreensão total do estilo é todo o objectivo da hermenêutica.>>

A hermenêutica como ciência sistemática

Schleiermacher não procurava um conjunto de regras como na hermenêutica primitiva, mas sim um conjunto de leis pelas quais a compreensão opera - uma ciência da compreensão que pudesse orientar o processo de extrair dum texto o seu sentido.

De uma hermenêutica centrada na linguagem a uma hermenêutica centrada na subcjetividade

Em cerca de vinte páginas de aforismos sobre hermenêutica datando de 1805 a 1809 e nos primeiros esboços ainda tacteantes durante o período de 1810-1819, Schleiermacher propõe uma hermenêutica fundamentalmente centrada na linguagem. Escreve que a tarefa da hermenêutica <<procede dois pontos diferentes: a compreensão da linguagem e a compreensão daquele que fala>>. Temos que ter uma compreensão do homem para podermos compreender o que ele diz. A hermenêutica pe a arte de compreender o orador naquilo que é dito, mas a linguagem ainda é a chave. <<Tudo o que se pressupõe em hermenêutica é apenas linguagem e é também só linguagem aquilo que encontramos na hermenêutica; o lugar a que pertencem os outros pressupostos objectivos e subjectivos tem que ser encontrados através (ou a partir) da linguagem.>>

Este elemento decisivo na passagem de uma hermenêutica centrada na linguagem para uma hermenêutica orientada para a psicologia, foi o primeiro abandono gradual da identidade do pensamento e da linguagem.

Por fim a atarefa da hermenêutica acabou por ser a de transcender a linguagem, de modo a chegar aos processos internos. Ainda é necessário examinar a linguagem, mas esta já não é con­siderada como totalmente equivalente ao pensamento.

Contudo abandonou esta concepção, e assim o processo mental reconstruído pela hermenêutica, não mais foi concebido como sendo intrinsecamente lingüístico mas sim como uma espécie de função interna e ardilosa da individualidade, separada da individualidade da linguagem. Schleiermacher na primeira fase do seu pensamento hermenêutico sustentara uma posição mais próxima das concepções actuais, defendendo firmemente serem o pensamento de um indivíduo, e mesmo todo o seu ser, essencialmente determinados pela linguagem. Coloca isso de lado, e a hermenêutica torna-se psicológica, transforma-se na arte de determinar ou de reconstruir um processo mental, que não é mais essencialmente linguístico.

O significado do projecto de Schleiermacher de uma nova hermenêutica

A hermenêutica deixa de ser vista como um tema disciplinar específico do âmbito da teologia, da literatura ou do direito; é a arte de compreender uma expressão linguística. A hermenêutica é vista como partindo das condições de diálogo; Schleiermacher foi um hermeneuta dialogal que infelizmente não se apercebeu das implicações criativas da sua natureza dialógica.

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  • Referência
- PALMER, Richard E.. Hermenêutica. Segunda parte, pág 91 a 104. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. LATGRAF para Edições 70 LDA, 1999.


Bons estudos!

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