quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Obrigações Complexas

 Régia Carvalho

Elaborado em 08/2013
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1.Obrigações complexas (Boa-fé objetiva)

      A boa-fé objetiva é um princípio fundamental das relações entre os indivíduos no Novo Código Civil, não era previsto no Código Civil de 1916, mas veio explicitamente nos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil de 2002, que serão comentados mais adiante. 

     O princípio da boa-fé, o qual norteou a elaboração do Código Civil de 2002, divide-se em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. Não devem ser confundidas, pois a boa-fé subjetiva está relaciona aos aspectos internos do sujeito, aspectos de ordem psicológica; e a boa-fé objetiva está ligada a elementos externos, normas de conduta pela qual o homem deve agir, diretamente relacionada ao comportamento humano, à lealdade nas relações. 

     A boa-fé objetiva é chamada também de obrigação complexa, pois as partes além de guiar suas condutas de acordo com a lei e o contrato, devem também respeitar alguns deveres anexos ou laterais. 

     Conforme definição do Professor Doutor Flávio Tartuce1: "A boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial..." 

     Os deveres anexos consistem, pois, em atitudes das partes para que a relação obrigacional aconteça de forma respeitosa e harmônica, em equilíbrio e sem prevalência de vantagens de uma parte em detrimento da outra. Assim, podemos citar os deveres anexos como os de cuidado em relação à outra parte negocial, o de respeito, o de proteção, o de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio, o de cooperação ou colaboração, o de lealdade e probidade e o de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. 

     Os deveres anexos, portanto, estão implícitos nos negócios jurídicos, e servem ainda para evitar abusos nas relações negociais.
A boa-fé objetiva é a busca do equilíbrio. Constitui-se, a um só tempo, na estipulação de deveres anexos, implícitos, nos negócios, impondo probidade, honestidade, ética, honradez e informação, mesmo não estando previsto expressamente na declaração negocial, além de limitar o exercício dos direitos subjetivos, evitando o abuso de direito e, finalmente, servindo como fonte de interpretação dos negócios jurídicos.2
      Como afirmado na citação acima, a boa-fé objetiva serve como fonte de interpretação dos negócios jurídicos, além disso tem ainda a função de controle e a função de integração.

1.1.Funções

     A função interpretativa está evidente no art. 113, no qual “os negócios devem ser interpretados conforme a boa-fé...”, significa, nas palavra do Prof. Flávio Tartuce3, que “os contratos devem ser interpretados mais favoravelmente a quem estiver de boa-fé”. A função de controle, está prevista no art. 187 : “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, portanto, o que viola comete abuso de direito e será responsabilizado independente de culpa4. E por último, a função de integração trazida no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, pela aplicação da boa-fé objetiva, deve-se aplicar os princípios em todas as fases contratuais, antes, durante e depois. 
     Decorre da função integrativa que as partes devem ter confiança mútua nas relações contratuais, devendo agir sempre conforme o contrato e a boa-fé objetiva; sendo proibido comportamento contraditório (venire contra factum proprium). “A vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa”5.

2.Exemplificando


     Analisando a súmula 308 do STJ, vemos que “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Acontecia que a construtora hipotecava o imóvel e não pagava a dívida ao agente financeiro, a consequência disso seria o agente financeiro tomar o imóvel; mas com a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nessa súmula veio proteger o terceiro adquirente de boa-fé.6 Essa situação é um exemplo da aplicação da boa-fé objetiva na fase contratual. 

     Em respeito ao dever de informar, cabe ao profissional da Medicina orientar amplamente o paciente quanto a todo e qualquer efeito conhecido previamente do procedimento a ser adotado (a que o paciente será submetido). “Não ocorrendo a advertência expressa, caberá reparação do dano causado por violação do dever de informar, corolário da boa-fé objetiva”7.

3.Jurisprudência


Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. CANCELAMENTO DE DESCONTO EM FOLHA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. TUTELA ANTECIPADA DESCONSTITUÍDA. Instituição bancária que trouxe aos autos documentos que, a priori, demonstram a efetiva contratação dos empréstimos pela autora. Circunstâncias que recomendam seja privilegiado o princípio da boa-fé objetiva, pelo qual as partes devem pautar sua conduta tanto na formação como na execução do contrato. Desconstituição da decisão que concedeu a liminar de cancelamento dos descontos em folha, relativamente ao contrato celebrado com o banco agravante, porquanto não se pode aferir a verossimilhança do direito da demandante. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO LIMINARMENTE. ART. 557, § 1o-A, DO CPC. (Agravo de Instrumento No 70055969299,Flores; Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em 13/08/2013). Data de Julgamento: 13/08/2013 ; Publicação: Diário da Justiça do dia 20/08/2013.

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS A EXECUÇÃO. SEGURO DE VIDA. DOENÇA PREEXISTENTE. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1. O artigo 765 do CC, ao regular o pacto de seguro, exige que a conduta dos contratantes, tanto na celebração quanto na execução do contrato, seja pautada pela boa-fé. No caso, ao firmar o contrato de seguro, o de cujus, questionado acerca das suas condições de saúde, respondeu que estava em perfeitas condições de saúde. Todavia, as provas constantes dos autos demonstram que o falecido já tinha conhecimento de doença que o levou a óbito, menos de dois meses após a pactuação do seguro. 2. Ao omitir a informação quanto à doença preexistente, o falecido, inobservando a boa-fé contratual, agravou o risco do contrato, restando afastado, pois, o dever de indenizar da seguradora, nos termos dos artigos 766 e 768 do CC. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível No 70055103279, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 31/07/2013).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. DOENÇA PREEXISTENTE. NEGATIVA DA OPERADORA. RISCO OMITIDO. POSSIBILIDADE. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO ESSENCIAL PARA SER AVENÇADO O CONTRATO OBJETO DO LITÍGIO. TENTATIVA DE BURLAR PRAZO DE CARÊNCIA FIXADO NO PACTO. JUSTA CAUSA NA RECUSA DA PRESTAÇÃO PRETENDIDA POR PARTE DO PLANO DE SAÚDE. (Apelação Cível No 70054675004, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 31/07/2013) .

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONSÓRCIOS. AÇÃO ORDINÁRIA. DANO MORAL. 1. Confissão quanto a não observância, no momento da contratação, do dever de informação sobre a exigência de garantias para liberação do crédito. Além disso, a justificativa para negativa de liberação da carta de crédito ao consorciado contemplado não possui amparo no contrato firmado. Abuso da posição contratual. Afronta ao princípio da boa-fé objetiva. 2. Descumprimento arbitrário da obrigação contratual. Dano moral configurado. Precedentes do STJ. 3. Indenização majorada. Observância do grau de culpabilidade (absoluto descaso com o consorciado) e da robustez do resultado danoso. 4. Ausente prova da concretização de dano material (emergente). APELO DA DEMANDADA IMPROVIDO. APELO DA DEMANDANTE PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível No 70042574558, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 22/08/2013).

4.Referência bibliográfica


- FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
- TARTUCE, Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio: http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk, acessada em 01/09/2013.
- Código Civil de 2002
Artigos
- REIS, João Emílio de Assis, Boa-fé objetiva: Historicidade e contornos atuais no direito contratual, acessado no site http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8281 em 01/09/2013.
- USTÁRROZ, Daniel. As Origens da Boa Fé Objetiva no Novo Código Civil, artigo acessado no site http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud12/origens_boa_fe.htm em 01/09/2013.

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1TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único, pág. 502. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011
2 FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, pág. 650, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011
3 TARTUCE, Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio: http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk, acessada em 01/09/2013.
4 TARTUCE, Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio: http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk, acessada em 01/09/2013.
5 FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, pág. 753, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed Lumen Juris, 2011
6 TARTUCE, Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio: http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk, acessada em 01/09/2013.
7 FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, pág. 218, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011

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