quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Direito Civil III - Lição 02 - Princípios: Relatividade dos efeitos; Função social e Boa-fé objetiva

  • Princípio da Relatividade dos efeitos dos contratos

     O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos aduz que os efeitos dos contratos só diz respeito ao contratante e ao contratado, mas esse princípio é relativo e comporta três exceções, quais sejam:

a) Promessa de fato de terceiro;
b) Contrato com pessoa a declarar;
c) Estipulação em favor de terceiro.

a)     A promessa de fato de terceiro, ocorre quando o contratado promete ao contratante que a obrigação será cumprida por outrem.

     Tartuce explicando o art. 440 escreve que, "se o terceiro pelo qual o contratante se obrigou comprometer-se pessoalmente, estará o outro exonerado de responsabilidade" (pág. 566), ou seja, o contratado fica isento de responsabilização civil caso o terceiro não cumpra a obrigação que assumiu.

     Os efeitos são de fora para dentro do contrato, ou endógenos, porque a conduta de um estranho ao contrato repercute para dentro deste. (TARTUCE, 2013, pág. 566) 

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CC, Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.
Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.
CC, Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.
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b)     No contrato com pessoa a declarar ou com cláusula pro amico eligendo, um dos contratantes indicará um terceiro que irá assumir a obrigação do contrato, no prazo de 5 dias ou outro prazo convencionado. Por exemplo, contrato de compra e venda de imóvel, os contratantes originários fazem o contrato e no momento da conclusão um das parte nomeia o terceiro que assumirá dos direitos e obrigações contratuais.

     Se não houver indicação ou se a pessoa indicada não aceitar o contrato, for incapaz ou estiver insolvente, o contrato produzirá seus efeitos apenas entre os contratantes originários. (ULHOA, 2012, pág. 362)

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CC, Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.
CC, Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.
Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato.
CC, Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em que este foi celebrado.
CC, Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários:I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la;II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação.
CC, Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.
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c)       A estipulação em favor de terceiro ocorre quando uma terceira pessoa se beneficia com o contrato. Um exemplo é o contrato de seguro de vida, nele haverá o efeito entre o contratante (segurado), o contratado (seguradora) e o beneficiário (terceiro).

     Na estipulação em favor de terceiro, os efeitos são de dentro para fora do contrato, ou seja, exógenos, tornando-se uma clara exceção à relativização contratual (TARTUCE, 2013, pág.566).
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CC, Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. 
CC, Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. 
CC, Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante. 
Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade.
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  • Princípio da Função social 
 
    A função social é uma cláusula geral, com base principiológica, que tende a limitar a relação entre as partes. "A palavra função social deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em questão a mitigação da força obrigatória das convenções" (TARTUCE, 2013, pág. 540)
 
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CC, Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
CC, Art. 2035, pú. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
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* Eficácia: interna e externa

- Eficácia interna são entre as partes contratantes e eficácia externa atinge os terceiro, determinado ou indeterminado. Também chamada de função intrínseca e extrínseca.

     No Enunciado 360 CJF/STJ da IV Jornada de Direito Civil reconhece a eficácia da função social, "Art. 421. O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes".

     Tartuce (pág. 542-544) discorre sobre os cinco aspectos principais da eficácia interna da função social: i) proteção dos vulneráveis contratuais (CDC protege o consumidor; CLT protege o trabalhador); ii) vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual (efeito gangorra) que pode motivar a anulação, a revisão ou mesmo a resolução do contrato; iii) Proteção da dignidade humana e dos direitos da personalidade no contrato; iv) nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas; v) tendência de conservação contratual, sendo a extinção do contrato, a última medida a ser tomada.

     E continua acerca dos dois aspectos principais da eficácia externa da função social: i) proteção dos direitos difusos e coletivos, não podendo o contrato prejudicá-los; ii) tutela externa do crédito, é a possibilidade do contrato gerar efeitos perante terceiro ou de condutas de terceiros repercutirem no contrato. 

  • Princípio da Boa-fé objetiva

     Tonou-se comum afirmar que a boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial.(TARTUCE, 2013, pág. 549)

     Assim, esse princípio determina um padrão de conduta que deve ser seguido pelos contratantes. 

     Os deveres anexos que podemos ser citados são os de lealdade; informação; respeito; cooperação; probidade; razoabilidade; honestidade; cuidado.

     Esses deveres não precisam estar explícitos no contrato.

     os artigo 113, 187 e 422 apresentam as três funções da boa-fé objetiva: a de integração, a interpretação e o controle.
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CC, Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (INTERPRETAÇÃO)
CC, Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (CONTROLE)
CC, Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.(INTEGRAÇÃO)
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     Sempre que a boa-fé for quebrada a parte tem o dever de indenizar


* Aplicação da boa-fé objetiva nas fases contratuais

- Pré-contratual: exemplo da CICA;

- Contrato: caso de hipoteca. Súmula 308, STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

- Pós-contratual: credor tem o dever de retirar o nome de devedor do cadastro de inadimplentes após acordo ou pagamento da dívida. 


* Funções integradoras: supressio, surrectio, tu quoque, venire contra facto próprio, Exceptio doli, duty to mitigate the loss

- Supressio - é a perda de um direito pelo seu não exercício (não deve ser confundido com decadência), ou a renúncia tácita de um direito. Não tem prazo para configurar o supressio, deve ser analisado no caso concreto.

     Perde-se esse direito quando se tem o direito previsto no contrato e o sujeito fica inerte, não exercendo o direito. Por exemplo, o regimento interno de um condomínio que proíbe que os condôminos tenham animal de estimação, mas uma moradora tinha um cão e o condomínio nunca reclamou o cumprimento da norma, mesmo ciente da existência do animal.

     Supressio, significa supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. (TARTUCE, 2013, pág. 555)


- Surrectio - ganho o direito, no exemplo acima a condomina ganhou o direito de ficar com o animal de estimação.

     Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio... (TARTUCE, 2013, pág. 555)


- Tu quoque - aquele que violar uma norma não pode invocá-la em benefício próprio. Como por exemplo um relativamente incapaz celebra um contrato, e mais tarde não pode alegar isso para querer anular o contrato.

     "Está vedado que alguém faça contra o outro o que não faria contra si mesmo" (TARTUCE, 2013, pág. 558)

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CC, Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. 
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- Venire contra factum proprium - significa a proibição de comportameto contraditório. Por exemplo, a necessidade de consentimento para o menor de 18 anos casar, se no processo do casamento não teve o consentimento expresso mas os pais participarem da cerimônia, não poderão depois pedir anulação do casamento alegando que não autorizaram.

     Determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. (TARTUCE, 2013, pág. 561)

     Conforme Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil, a vedação do comportamento contraditório funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.


- Exceptio doli - são meios de defesa contra ações dolosas do outro contratante, contrárias à boa-fé.

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CC, Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
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- Duty to mitigate the loss - trata-se da proibição de o credor alargar seu próprio prejuízo, dever do credor mitigar a perda.

     Enunciado n. 169 CJF/STJ na III Jornada de Direito Civil aprovou que, o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

   Tartuce (2013, pág. 564) exemplifica esse princípio com o caso de um contrato de locação de imóvel urbano em que houve inadimplemento. Ora, nesse negócio, há um dever por parte do locador de ingressar, tão logo lhe seja possível, com a competente ação de despejo, não permitindo que a dívida assuma valores excessivos. 

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  • Referência
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único, 3ª ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÈTODO, 2013.
- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, 3: contratos - 5ª ed.-São Paulo: Saraiva, 2012
- Aula 04/02/2014, Direito Civil III (Contratos), Profª Gabryella Simonetti, com anotações de Régia Carvalho. 
 
Bons estudos!


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