domingo, 23 de fevereiro de 2014

Direito Constitucional III - Para reflexão


1. Há, no presidencialismo, grande preocupação com a limitação do poder. Vale a reflexão: que instrumentos a Constituição Federal apresenta como garantidores dessa limitação?

     A Constituição traz em seu texto limites expressos formais, circunstanciais e materiais, e limites implícitos.

     Um limite formal é a rigidez para alteração constitucional que se dá por meio de um processo mais rigoroso para Emenda à Constituição que são discutidas e votadas em cada casa, em dois turnos e serão aprovadas se obtiver 3/5 dos votos dos Deputados e Senadores, ao contrário do processo para leis ordinárias; uma limitação circunstancial é a de a Carta Maior não poder ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio devido a instabilidade institucional do momento. Limitação material está relacionada à vedação de Emenda tendente a abolir as garantias e direitos fundamentais, e principalmente as cláusulas pétreas contidas no §4º do art. 60 da CF, na qual não se permite abolir a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.

     Os limites implícitos dizem respeito aos direitos e garantias fundamentais que não se pode abolir; à titularidade do poder constituinte originário; contra à titularidade do poder reformador e quanto ao processo legislativo especial de reforma.
BULOS, 2012, págs 409 a 419


2. Existem normas constitucionais inconstitucionais? 

     No Brasil não é aceito a tese da existência de normas Constitucionais inconstitucionais, pois a Constituição foi elaborada em face do poder constituinte originário. Também não é admitido hierarquia entre as normas, pois a ocorrência de cláusulas pétreas significa uma limitação ao Poder Constituinte Derivado.

    Pode haver inconstitucionalidade por oposição entre normas constitucionais preexistentes e normas constitucionais supervenientes, na medida em que a validade destas decorre daquelas; não por oposição entre normas ao mesmo tempo por uma mesma autoridade jurídica. Pode haver inconstitucionalidade da revisão constitucional, porque a revisão funda-se, formal e materialmente, na Constituição; não pode haver inconstitucionalidade da Constituição." (A Inconstitucionalidade de Normas Constitucionais Originárias - Sua Impossibilidade em Nosso Sistema Constitucional José Carlos Moreira Alves - Ministro do Supremo Tribunal Federal).

     No julgado da ADIN 815-3, o relator, Min. Moreira Alves afirma que "a tese de que há hierarquia entre as normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é impossível com o sistema de Constituição rígida".

Leia mais: ADIN 815-3 DF


3. a) Há exigência de lei formal para edição do salário mínimo?

     O art. 7º da Constituição Federal traz expressamente a regra de que o salário mínimo deve ser fixado em lei.
CF, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo , fixado em lei, ...
     Houve um debate acerca da constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.382/2011 que previa decreto do Poder Executivo para o reajuste do salário mínimo; conforme julgamento da ADI 4.568, não há inconstitucionalidade no artigo em questão.

“A exigência constitucional de lei formal para fixação do valor do salário mínimo está atendida pela Lei 12.382/2011. A utilização de decreto presidencial, definida pela Lei 12.382/2011 como instrumento de anunciação e divulgação do valor nominal do salário mínimo de 2012 a 2015, não desobedece o comando constitucional posto no inciso IV do art. 7º da CB. A Lei 12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de afirmação de novos valores nominais para o período indicado (arts. 1º e 2º). Cabe ao presidente da República, exclusivamente, aplicar os índices definidos legalmente para reajuste e aumento e divulgá-los por meio de decreto, pelo que não há inovação da ordem jurídica nem nova fixação de valor.” (ADI 4.568, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-11-2011, Plenário, DJE de 30-3-2012.)

Leia mais: ADI 4.568


b) Pode um Secretário de Estado demitir servidores?

      É competência privativa do Presidente da República prover e extinguir cargos públicos, essa atribuição pode ser delegada aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União de acordo com o decreto 3.035/199, art. 1º, I. Com base neste decreto, é permitido a um secretário de Estado aplicar a penalidade de demissão em servidores.
Art. 1o  Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos: I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores;
“Esta Corte firmou orientação no sentido da legitimidade de delegação a ministro de Estado da competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do art. 84, XXV, e parágrafo único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores públicos federais. (...) Legitimidade da delegação a secretários estaduais da competência do governador do Estado de Goiás para (...) aplicar penalidade de demissão aos servidores do Executivo, tendo em vista o princípio da simetria.” (RE 633.009-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma, DJE de 27-9-2011.)

Leia mais: RE 6333.009-AR


4. Algum Ente Federativo, fora a União, pode regulamentar o que seria um crime de responsabilidade?

     É competência privativa da União legislar sobre direito penal, portanto apenas Lei Federal. A seguir, algumas decisões nesse sentido.
CF, Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
“São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento." (Súmula722)

“A definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento das agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da CR).” (ADI 2.220, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 7-12-2011.) No mesmo sentido: ADI 1.628, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-8-2006, Plenário, DJ de 24-11-2006; ADI 2.235-MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 29-6-2000, Plenário, DJ de 7-5-2004; ADI 1.901, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 3-2-2003, Plenário, DJ de 9-5-2003; ADI 834, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-2-1999, Plenário, DJ de 9-4-1999.)

“Constituição estadual e tribunais de contas: conselheiros do tribunal de contas estadual – a questão das infrações político-administrativas e dos crimes de responsabilidade – competência legislativa para tipificá-los e para estabelecer o respectivo procedimento ritual (Súmula 722/STF). A Constituição estadual representa, no plano local, a expressão mais elevada do exercício concreto do poder de auto-organização deferido aos Estados-membros pela Lei Fundamental da República. Essa prerrogativa, contudo, não se reveste de caráter absoluto, pois se acha submetida, quanto ao seu exercício, a limitações jurídicas impostas pela própria Carta Federal (art. 25). O Estado-membro não dispõe de competência para instituir, mesmo em sua própria Constituição, cláusulas tipificadoras de crimes de responsabilidade, ainda mais se as normas estaduais definidoras de tais ilícitos tiverem por finalidade viabilizar a responsabilização política dos membros integrantes do Tribunal de Contas. A competência constitucional para legislar sobre crimes de responsabilidade (e, também, para definir-lhes a respectiva disciplina ritual) pertence, exclusivamente, à União Federal. Precedentes. Súmula 722/STF.” (ADI 4.190-MC-REF, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-3-2010, Plenário, DJE de 11-6-2010.) 


5. O Deputado Federal, licenciado do cargo, exercendo a função de Ministro de Estado, pode continuar no gozo da prerrogativa de foro em matéria penal?

     A prerrogativa da imunidade parlamentar se dá em virtude do exercício do mandato ou em razão dele, se o Deputado se afastar do cargo não continuará com a imunidade parlamentar.

     "O Deputado que exerce a função de Ministro de Estado não perde o mandato, porém não pode invocar a prerrogativa da imunidade, material e processual, pelo cometimento de crime no exercício da nova função" (STF, Pleno, Inq. 105/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, RTJ, 99:487-491) (BULOS, 2012, pág. 1096).

6. “Dispositivo da Constituição do Estado da Bahia que prevê a convocação, pela Assembleia Legislativa, do governador do Estado, para prestar pessoalmente informações sobre assunto determinado, importando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada. Fumus boni iuris que se demonstra com a afronta ao princípio de separação e harmonia dos Poderes, consagrado na CF. Periculum in mora evidenciado no justo receio do conflito entre  poderes, em face de injunções políticas. Medida cautelar concedida.” (ADI 111-MC, Rel. Min. Carlos Madeira, julgamento em 25-10-1989, Plenário, DJ de 24-11-1989.) No mesmo sentido: RE 562.349-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-6-2013, Segunda Turma, DJE de 23-10-2013; ADI 3.279, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 15-2-2012.

Por que o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional a norma acima descrita?

     Pelo princípio da separação dos poderes, não há subordinação do Poder Executivo ao Legislativo, assim não poderia o Governador do Estado estar sujeito as determinações da Assembleia Legislativa. O Min. Carlos Moreira concedeu a medida cautelar justificando que a exigência constitucional baiana não se harmoniza com o modelo federal (fumus boni iuris), já que a Constituição Federal admite a convocação dos titulares de orgãos subordinados ao Poder Executivo, e não o próprio Chefe do Executivo; argumenta ainda o periculum in mora fundado no justo receio de o Governador sujeitar-se às injunções políticas. 
Leia mais: ADIN 111-6


7. Que sistema você avalia como que melhor serve (ou serviria) aos interesses da sociedade, o unicameral ou o bicameral?

    Existem as vantagens e desvantagens de se ter um sistema bicameral ou unicameral, mas entre as analisadas acredito que o sistema bicameral é o que melhor serve aos interesses da sociedade. Mesmo que o sistema unicameral atue com mais rapidez, mas a questão de a decisão ser revisada por outra câmara traz mais segurança para a sociedade no sentido de que haja correção de possíveis equívocos legislativos. O argumento de ser menos oneroso aos cofres públicos ter o sistema unicameral é de menor relevância quando comparado com a segurança no controle legislativo. Aponta Laferrière a tendência da câmara única de se considerar onipotente, e daí a necessidade de uma segunda câmara.

     Alaor Barbosa (Bicameralismo ou unicameralismo?, 1987, pág. 58) escreveu que "não se pode saber se o bicameralismo é o melhor ou pior do que o unicameralismo pensando de maneira abstrata, o que se deve fazer é examinar na realidade de sua prática quotidiana, de sua experimentação histórica, social e política", e fazendo uma análise histórica o autor enumera vários países com sistema bicameral, afirmando ainda que os que foram unicameral acabaram mudando para o bicameral. Isso só comprova uma tendência para o sistema bicameral por ser o mais adequado para a sociedade, o qual sempre predominou no Brasil.


 

8. Os Senadores se submetem às regras de impedimento e suspeição no julgamento do Presidente da República?

     De acordo com a Lei 1.079/50, art. 36, existe a possibilidade de impedimento e suspeição para senadores quanto à julgamento do Presidente da República, neste sentido:

"Impedimento e suspeição de senadores: inocorrência. O Senado, posto investido da função de julgar o presidente da República, não se transforma, às inteiras, num tribunal judiciário submetido às rígidas regras a que estão sujeitos os órgãos do Poder Judiciário, já que o Senado é um órgão político. Quando a Câmara Legislativa – o Senado Federal – se investe de 'função judicialiforme', a fim de processar e julgar a acusação, ela se submete, é certo, a regras jurídicas, regras, entretanto, próprias, que o legislador previamente fixou e que compõem o processo político-penal. Regras de impedimento: art. 36 da Lei 1.079, de 1950. Impossibilidade de aplicação subsidiária, no ponto, dos motivos de impedimento e suspeição do CPP, art. 252. Interpretação do art. 36 em consonância com o art. 63, ambos da Lei 1.079/1950. Impossibilidade de emprestar-se interpretação extensiva ou compreensiva ao art. 36, para fazer compreendido, nas suas alíneas a e b, o alegado impedimento dos senadores." (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993.) 

Lei 1.079/1950 
Art. 36. Não pode interferir, em nenhuma fase do processo de responsabilidade do Presidente da República ou dos Ministros de Estado, o deputado ou senador: a) que tiver parentesco consangüíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-irmãos; b) que, como testemunha do processo tiver deposto de ciência própria .
Art. 63. No dia definitivamente aprazado para o julgamento, verificado o número legal de senadores será aberta a sessão e facultado o ingresso às partes ou aos seus procuradores. Serão juizes todos os senadores presentes, com exceção dos impedidos nos termos do art. 36.

9. Poderá o parlamentar renunciar ao mandato no desiderato de ter seu processo julgado por instância ordinária? (falta concluir a resposta)

     Ação Penal 396 - Natan Donadon, renunciou ao mandato na véspera do julgamento, o STF continuou e julgou o caso;

     Ação Penal 333 - Ronaldo Cunha Lima, renunciou ao mandato 5 dias antes do julgamento, STF encaminhou caso para primeira instância;

     Ação Penal 536 - Eduardo Azeredo, renunciou e teve o processo remetido à primeira instância.

10. As imunidades parlamentares inerentes aos deputados federais e senadores estendem-se sob que medidas aos deputados estaduais e vereadores?

     Aos vereadores, a Constituição Federal garante imunidade material (CF, art. 29, VIII), que engloba a responsabilidade civil, penal, disciplinar e política; para tanto deve haver nexo de causalidade entra as opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato e nos limites da circunscrição municipal.

     Mas os vereadores não possuem imunidade processual, portanto, se cometerem delitos que extrapole a imunidade material, serão processados criminalmente e independente de autorização da Câmara de Vereadores. Portanto, os deputados federais e vereadores possuem a imunidade material, mas só o primeiro possui e imunidade processual.

CF, Art. 29, VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município

     Aos Deputados Estaduais é garantido a imunidade parlamentar conforme art. 27 da CF.
CF, Art. 27, § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

11. A quem compete processar e julgar mandado de segurança e habeas corpus impetrados contra CPI’s constituídas no âmbito do Congresso Nacional?

     Ao Supremo Tribunal Federal compete exercer, originariamente, o controle jurisdicional sobre atos de comissão parlamentar de inquérito que envolvam ilegalidade ou ofensa a direito individual.

CF, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: 
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

BULOS, 2012, pág. 1136


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Régia Carvalho

Bons estudos!
   

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