sábado, 7 de junho de 2014

Condutas Vedadas, Abusos de Poder e Captação Ilícita de Sufrágio


1. Introdução

     São comportamentos desviantes que podem ocorrer no entorno do processo eleitoral: as irregularidades na propaganda eleitoral, no uso da máquina pública, na gestão financeira dos recursos de campanha, na conquista do voto do eleitor mediante a captação ilícita de sufrágio, no comportamento dos meios de comunicação social, entre outros.

     Como sansão o direito eleitoral pode adotar além de multa, cassação de registro ou de diploma, decretação de inelegibilidade, de improbidade administrativa, suspensão de repasse de verbas do Fundo Partidário, sanções penais.

     Aqui será discorrido cobre as condutas vedadas e a captação ilícita de sufrágio além do instituto do abuso de poder: econômico, político e dos meios de comunicação social.

     Atribuindo o princípio da razoabilidade, os ilícitos serão punidos de acordo com a gravidades, a lesividade; assim, a sanção será mais ou menos grave a depender do impacto do ilícito cometido.


2. Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanha.

     A proteção à isonomia das candidaturas

     Deve existir isonomia entre candidatos e partidos para que o eleitor possa formas seu juízo de valor adequadamente, por isso o ordenamento jurídico deve coibir ações que prejudiquem essa isonomia.

     O artigo 73 e seguintes da Lei Eleitoral enumera uma lista de comportamento proibidos aos Agentes Públicos em Campanha, a fim de proteger o eleitor da manipulação.

2.1 O conceito de agente público no contexto das condutas vedadas

     Previsto no art. 73, §1 da Lei Eleitoral  "Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional."

2.2  As condutas vedadas em espécie 

- Utilizar o patrimônio público em benefício das campanhas eleitorais

Art. 73, I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

     "Bens pertencentes" é interpretado de forma ampla,, podendo ser a mera posse, em regime de empréstimo ou mediante contrapartida financeira, de modo permanente ou transitório.

     Ressalvado a realização de convenção partidária que de acordo com o art. 8º, §2º, é permitido usa gratuitamente prédios públicos os partidos políticos para a realização das convenções partidárias. E ainda realização de propaganda eleitoral nas dependências do Poder Legislativo; e outra ressalva é quanto ao uso da residência oficial do Chefe do Poder Executivo em campanha de reeleição, sendo evento e não ato público.

     Para ser caracterizada a conduta vedada é preciso demonstrar o nexo entre a conduta e o objetivo de beneficiar candidato.

- Uso de materiais e serviços

Art. 73, II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

     É caracterizado pelo uso acima da quota permitida de materiais e serviços colocados à disposição de certos gestores para fins de propaganda eleitoral. Essa quota é disponibilizada para o andamento do exercício funcional, e o candidato no usa das prerrogativas parlamentares se aproveita disso para cometer o ilícito.

     Deve-ser observar a proibição de pedido de voto e apoio eleitoral.

     Os atos parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos, são exemplos de condutas que não configuram propaganda antecipada, trazida pelo Lei 12.034/2009 alterada pela Lei 12.891/2013.

- Utilização de pessoas pertencentes ao quadro funcional do Estado

Art. 73, III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

     Fora do horário de expediente o servidor tem toda liberdade para participar das campanhas.

- Distribuição gratuita de bens e serviços
Art. 73, IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
     Normalmente outro agente atua em benefício do candidato.

- Pessoas na administração pública
Art. 73,V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex-officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex-officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.

     Finalidade de evitar perseguições ou conceder privilégios com objetivos eleitorais. A limitação quanto à gestão de pessoas fica restrita às circunscrições cujos cargos estejam em disputa.

Exceções:
* Os cargos comissionados;
* A nomeação de membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais de * Conta e órgãos da Presidência;
* Os nomeados para concursos, desde que estes tenham sido homologados até a véspera do período vedado;
* Os cargos para serviços públicos essenciais, desde que haja autorização prévia e expressa do Chefe do Poder Executivo;
* Os agentes de segurança, excluídos os guardas municipais.

- Transferência de recursos
Art. 73, VI - nos três meses que antecedem o pleito:a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

     Há exceções justificáveis, como a de atender a situações de emergência e calamidade pública; e ainda em face de custeio de obra ou serviço desde que tenha obrigação formal preexistente, cronograma prefixado e o serviço ou obra em andamento.

Art. 73,VI - nos três meses que antecedem o pleito:b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

     Propaganda institucional refere-se a atos, programas, obras e serviços e campanhas dos orgãos públicos e deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. A qual é vedado autorizar publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito.

     Exceções são as relativas a produção pelo orgão de bens ou prestação de serviço em regime de concorrência privada. Outro exemplo seria a necessidade de campanha em casos graves e urgentes como campanha de vacinação.

- Uso de comunicações oficiais
Art. 73,VI - nos três meses que antecedem o pleito:  c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;

     A proibição aqui se limita à esfera das circunscrições sujeitas à disputa eleitoral.

- Gastos com publicidade
Art. 73,VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

     A menor média fixará o teto de gastos para o ano eleitoral, sendo vedada a publicidade a partir dos três meses antes ao pleito.

- Revisão remuneração servidores
Art. 73,VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos
     É vedado fazer a revisão geral nos 180 dias antes do pleito. Só é possível realizar se for para aplicação de índices oficiais de reajustes; garantia da mera recomposição do valor da remuneração; e perda inflacionária medida no período entre 1º de janeiro e a data da concessão do reajuste.

     Deve-se observar também as seguintes normas para poder realizar a revisão geral: prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. Como também respeito ao limite máximo de gastos com pessoal e observância da data-limite para aprovação de lei que implique aumento de despesa com pessoal no último ano do mandato.

- Políticas públicas de cunho social
Art. 73, § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. § 11.  Nos anos eleitorais, os programas sociais de que trata o § 10 não poderão ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou por esse mantida.
     Vedado criar programas de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral; mas não a execução de programas já criados anteriormente.

- Uso do dinheiro público para shows
Art. 75. Nos três meses que antecederem as eleições, na realização de inaugurações é vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos.

     Inaugurações são diferentes de festas tradicionais, nas quais não é impedidos que estas recebam apoio financeiro do ente público.

- Comparecer em inaugurações de obras
Art. 77.  É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.
     Deve ser verificado a ocorrência de benefício eleitoral por parte do candidato para poder configurar esse ilícito. Eventos públicos também são diferentes de inaugurações, não sendo vedado comparecimento ao primeiro. 

2.3 Sistema sancionatório

     Não há uniformidade no regime sancionatório aplicados às condutas vedadas, aplica-se um regime geral (maior aplicação) e outro especial (condutas específicas).

a. Regime geral

     Aplicados ao contido no art. 73 e seus incisos, bem como no §10:
- suspensão imediata da conduta (art. 73, §4º, LE); 
- multa, duplicada por reincidência (art. 73, §§4º e 6º, LE); 
- cassação do registro ou do diploma (art. 73, §5º, LE); 
- improbidade administrativa (art. 73, §7º, LE); 
- exclusão do Partido do repasse do Fundo Partidário (art. 73, §9º, LE); 
- inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou do diploma (art. 1º, I, “j”, LI).

b. Regime especial

     Aplicada às proibições de contratação de shows (art 75) e ao comparecimento a inaugurações de obras públicas( art. 77):

- suspensão imediata da conduta, no caso do art. 75, LE (art. 75, parágrafo único, LE);
- cassação do registro ou do diploma, em ambos os casos (art. 75, parágrafo único c/c art. 77, parágrafo único, LE);
- inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou do diploma (art. 1º, I, j, LI).

c. Segmentação das penas e reforma legislativa:


     Ilícitos menores aplicam-se penas menores, o que envolve o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizado pelas jurisprudências das Cortes brasileiras.
 
3. Captação Ilícita de Sufrágio. 

     Mazela da tradição política brasileira, considerada uma das piores chagas da democracia, já que destrói a autonomia política dos cidadãos.

     A conduta foi tipificada com a inclusão do artigo 41-A na Lei Eleitoral, prevendo multa e cassação de registro ou diploma do candidato. E em 2010 previu-se a decretação de inelegibilidade para os que tiverem diploma cassado ou registro.

3.1 Requisitos legais

a. Conduta definida (doar, oferecer prometer ou entregar bem ou vantagem): ferindo o princípio da liberdade do voto do eleitor.

b. Conduta dirigida ao eleitor: não configura-se ilícito se o alistado estiver com direitos políticos suspensos ou não votar na circunscrição;

c. Finalidade de obtenção do voto: claramente definida. Aplica-se também aos que cometem grave ameaça a pessoa com a mesma finalidade do voto.

3.2 Evolução jurisprudencial

     Torna mais rigorosa a punição da compra de votos.

a. Requisitos legais:

- Conduta praticada por interposta pessoa: no caso de candidato ser responsabilizado por conduta praticada por terceiro, desde que comprovada a anuência daquele com a prática do ato.

- Desnecessária identificação individual do beneficiário: pode ser caracterizado a prática do ilícito quando por exemplo oferta-se material de construção a representantes de bairro dirigida de modo geral aos associados.

- Desnecessário pedido explícito de voto: deve evidenciar claramente a tentativa de conquistar votos pela outorga de bens ou vantagens. Sem esquecer a compra da abstenção eleitoral.

     Lei 12.034, §1º, art. 41-A - Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

3.3 Sanções

- Multa (art. 41-A, LE)
Cassação do registro ou do diploma (art. 41-A , caput, LE)
- Inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou dilpoma (Art. 1º, L. j, LI).

 4. Abuso de Poder

     Quando o ilícito causa lesividade em potencial estará caracterizado o abuso de poder, o impacto do ilícito e a repetição dele devem ser provadas, assim não basta o ilícito, a conduta irregular, deve haver abusividade.

     O critério do que poderia ser abusivo foi construído jurisprudencialmente, chamado potencialidade do dano, e se referia a possibilidade do ato ilícito poder influenciar no resultado das eleições, devendo haver um nexo causal.

Exemplos: Ac 4.511/04/TSE; Ac. 725/2005/TSE

     Com a LC 135/2010 ficou mais fácil a punição do ilícito, pois basta que as circunstâncias sejam consideradas graves não mais precisando provar a influencia no resultado das urnas.

     LC 135/2010 - "para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam".

     Possibilidades de abuso de poder que podem ser configuradas no ilícito:

- Abuso de poder político: com o uso da máquina pública e prerrogativas das autoridades favorecendo candidatos, coligações e partidos políticos;

- Abuso de poder econômico: descumprimento de regras relativas as gestão financeira, exemplos mais comuns são recebimento de recursos de fontes vedadas; utilização de verba não contabilizada (“caixa-dois”); compra de votos; gastos ilícitos na contratação de equipes de campanha; propaganda eleitoral irregular e abusiva, entre outros.

- Abuso de meios de comunicação social: mídia televisiva e radiofônica, bem como a escrita, sofrem restrições pela legislação eleitoral, devido a grande influência que pode ocasionar aos eleitores.

     O efeito natural de qualquer dos abusos de poder é a cassação do registro ou do diploma do candidato que foi beneficiado com a prática ilícita, pois é abusivo e dotado de lesividade potencializada.

     Mas quando o beneficiado não teve responsabilidade direta nem indireta na prática do ato, a inelegibilidade a ele não pode ser atribuída.

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  • Referência
- Curso de Advocacia Eleitoral, Condutas Vedadas, Abusos de Poder e Captação Ilícita de Sufrágio. Professor Rodolfo Viana¹, EAD, <enaoline.com.br>, acessado em 06/06/2014.
 
 
1 - Professor da Faculdade de Direito da UFMG. Coordenador Acadêmico do IDDE- Instuto para o Desenvolvimento Democráco. Membro da Comissão Nacional de Direito Eleitoral da OAB. Ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MG. Advogado, Doutor em Ciências Jurídico-polícas pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Constucional pela UFMG. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade de Paris II.


Bons estudos!!



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