domingo, 17 de agosto de 2014

Controle de constitucionalidade e análise evolutiva do controle de constitucionalidade

PEDRO LENZA¹


1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: DIREITO COMPARADO E SISTEMA BRASILEIRO

1.1 Noções preliminares

     "O legislador constituinte originário criou mecanismos por meio dos quais se controlam os atos normativos..."

     "Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, lembramos a existência de uma Constituição rígida e a atribuição de competência a um órgão para resolver os problemas de constitucionalidade..."

     "A ideia de controle... pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica..."

     "Trata-se do princípio da supremacia da Constituição, ... nos dizeres do Professor José Afonso da Silva, reputado por Pinto Ferreira como "pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político"... "as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição..."

     "Alertamos que há uma tendência a ampliar o conteúdo do parâmetro de constitucionalidade de acordo com aquilo que a doutrina vem chamando de bloco de constitucionalidade...."


1.2 A inconstitucionalidade das leis e a regra geral da "teoria da nulidade". Sistema austríaco (Kelsen) versus Sistema norte-americano (Marshall). Anulabilidade versus nulidade

     "Pode-se afirmar que a maioria da doutrina brasileira acatou, inclusive por influência do direito norte-americano, a caracterização da teoria da nulidade ao se declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (afetando o plano de validade)".

     "Trata-se... de ato declaratório que reconhece uma situação pretérita, qual seja, o "vício congênito", de "nascimento" do ato normativo".

     "Assim, o ato legislativo, por regra, uma vez declarado inconstitucional, deve ser considerado, ..., "...nulo, írrito, e, portanto, desprovido de força vinculativa".

     "Contra esse entendimento, destaca-se a teoria da anulabilidade da norma inconstitucional defendida por Kelsen e que influenciou a Corte Constitucional austríaca, caracterizando-se como constitutiva a natureza jurídica da decisão que a reconhece".

     "Segundo Cappelletti, no sistema austríaco, diferentemente do sistema norte-americano da nulidade, "... a Corte Constitucional não declara a nulidade, mas anula, cassa ('aufhebt') uma lei que, até o momento em que o pronunciamento da Corte não seja publicado, é válida e eficaz, posto que inconstitucional (sic)..."

     
1.3 Flexibilização das teorias da "nulidade absoluta da lei declarada inconstitucional" e da "anulabilidade da norma inconstitucional" no direito estrangeiro (brevíssima noção)

1.3.1 Áustria


     "Em relação à Áustria, em 1929, a regra que negava qualquer retroatividade às decisões e pronunciamentos da Corte Constitucional foi atenuada, fixando-se a possibilidade de atribuição de efeitos retroativos à decisão anulatória".


1.3.2 Estados Unidos


     "Nos Estados Unidos, o precedente lembrado é o caso Likletter v. Walker, em relação ao qual, realizando análise política, a Suprema Corte entendeu que o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei que permitia certo sistema de colheita de provas não retroagiria para invalidar decisões já tomadas com base naquele sistema".


1.3.3 Espanha


     "Garciade Enterría, na Espanha, destaca a hipótese de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e pro futuro tendo como precedente a Sentença n. 45/1989".


1.3.4 Portugal


     "Em Portugal, muito embora a declaração de nulidade da lei inconstitucional seja a regra geral, há expressa autorização constitucional permitindo a modulação dos efeitos da decisão, bem como a desconstituição da coisa julgada em matérias específicas e desde que haja expressa determinação pelo Tribunal Constitucional".


1.3.5 Alemanha


     "Na Alemanha, o princípio da nulidade da lei inconstitucional está consagrado como regra geral, ..."


     "... várias técnicas surgem no sentido de resolver alguns problemas trazidos pela rigidez do princípio da nulidade... "apelo ao legislador" ou "situação ainda constitucional" ... e a "declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade"..."



1.4 Flexibilização da teoria da nulidade no direito brasileiro

     "A regra geral da nulidade absoluta da lei inconstitucional vem sendo, casuisticamente, afastada pela jurisprudência brasileira e repensada pela doutrina".


     "Ao lado do princípio da nulidade, que adquire, certamente, o status de valor constitucionalizado, tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição, outros valores, de igual hierarquia, destacam-se, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e o da boa-fé


1.4.1 A mitigação do princípio da nulidade no controle concentrado - art. 27 da Lei n. 9.868/99 e art. 11 da Lei n. 9.882/99


     "Toda evolução e movimento verificados no direito estrangeiro também foram considerados no Brasil, que "legalizou" a tendência jurisprudencial que já vinha sendo percebida,..., a flexibilizar a rigidez do princípio geral... da nulidade da lei declarada inconstitucional no controle concentrado".


     "Trata-se da denominada... técnica de modulação dos efeitos da decisão e que,... permite uma melhor adequação da declaração de inconstitucionalidade, assegurando... segurança jurídica, do interesse social e da boa-fé".



1.4.2 A mitigação do princípio da nulidade no controle difuso


     "Em importante precedente, destaca-se ação civil pública ajuizada pelo MP de São Paulo objetivando reduzir o número de vereadores do Município de Mira Estrela, de 11 para 9, adequando-se ao mínimo constitucional previsto no art. 29, IV, da CF/88..."


     O STF, portanto, à luz do princípio da segurança jurídica, do princípio da confiança, da ética jurídica, da boa-fé, todos constitucionalizados, em verdadeira ponderação de valores, vem, casuisticamente, mitigando os efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade das leis também no controle difuso, preservando-se situações pretéritas consolidadas com base na lei objeto do controle".



2. BREVE ANÁLISE EVOLUTIVA DO SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


2.1 Constituição de 1824

     "No tocante ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, a Constituição Imperial de 1824 não estabeleceu nenhum sistema de controle, consagrando o dogma da soberania do Parlamento, já que,..., somente o Órgão Legislativo poderia saber o verdadeiro sentido da norma".


     "... O Imperador, enquanto detentor do Poder Moderador, exercia uma função de coordenação, por isso, cabia a ele (art. 98) manter a 'independência, o equilíbrio e a harmonia entre os demais poderes'..."


     "... Portanto,... "o dogma da 'soberania do Parlamento', a previsão de um Poder Moderador e mais a influência do direito público europeu,..., explicam a inexistência de um modelo de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis no Brasil ao tempo do Império".



2.2 Constituição de 1891


     "A partir da Constituição Republicana de 1891, ..., consagra-se, no direito brasileiro, mantida até a CF/88, a técnica de con­trole de constitucionalidade de lei ou ato com indiscutível caráter normativo (desde que infraconstitucionais), por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de com­petência e organização judiciária. Trata-se do denominado controle difuso de cons­titucionalidade, repressivo, posterior, ou aberto, pela via de exceção ou defesa, pelo qual a declaração de inconstitucionalidade se implementa de modo incidental..., prejudicialmente ao mérito".



2.3 Constituição de 1934


     "A Constituição de 1934,..., estabeleceu, além da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a denominada cláusula de reserva de plenário (a declaração de inconstitucionalidade só poderia ser pela maioria absoluta dos membros do tribunal) e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva".



2.4 Constituição de 1937


     "A Constituição de 1937, denominada Polaca..., não obstante tenha mantido o sistema difuso de constitucionalidade, estabeleceu a possibilidade de o Presidente da República influenciar as decisões do Poder Judiciário que declarassem inconstitucional determinada lei..."


2.5 Constituição de 1946


     "A Constituição de 1946,..., flexibilizou a hipertrofia do Executivo, restaurando a tradição do sistema de controle de constitucionalidade. Através da EC n. 16, de 26.11.1965, criou-se no Brasil uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de competência originária do STF,..., a ser proposta, exclusivamente, pelo Procurador-Geral da República. Esta­beleceu-se, ainda, a possibilidade de controle concentrado em âmbito estadual".


2.6 Constituição de 1967 e EC n. 1/96


     Esta última regra foi retirada pela Constituição de 1967, embora a EC n. 1/69 tenha previsto o controle de constitucionalidade de lei municipal, em face da Constituição Estadual, para fins de intervenção no Município".


2.7 Constituição de 1988

     "A Constituição de 1988, ..., trouxe quatro principais novidades no sistema de controle de constitucionalidade".


     "Em relação ao controle concentrado em âmbito federal, ampliou a legitimação para a propositura da representação de inconstitucionalidade, acabando com o monopólio do Procurador-Geral da República...".


     "Estabeleceu-se, também, a possibilidade de controle de constitucionalidade das omissões legislativas, seja de forma concentrada (ações diretas de inconstitucionalidade por omissão - ADO, ...), seja de modo incidental, pelo controle difuso (mandado de injunção...)".

     "Por fim, ..., facultou-se a criação da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), o parágrafo único do art. 102".

     "Posteriormente, a EC n. 3/93 estabeleceu a ação declaratória de constitucionalidade (ADC)..."

     "Enfim, a EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário) ampliou a legitimação ativa para o ajuizamento da ADC..., igualando aos legitimados da ADI..., e estendeu o efeito vinculante..., também para a ADI...".

     "Por todo o exposto, valendo-nos das palavras de José Afonso da Silva, "o Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério difuso por via de defesa com o critério concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando também, agora timidamente, a ação de inconstitucionalidade por omissão...".


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1 - LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Capítulo 6, pág. 275-285. 18.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2014

Bons estudos!

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