domingo, 17 de agosto de 2014

Espécies de inconstitucionalidade, Momentos de controle e Sistemas e vias de controle judicial

PEDRO LENZA¹

3. ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE


3.1 Inconstitucionalidade por ação e por omissão (quadro esquemático)


     "Fala-se em inconstitucionalidade por ação (positiva ou por atuação), a ensejar incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição, e, em sentido diverso, em inconstitucionalidade por omissão, decorrente da inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada".


LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 2014, pág. 287



3.2 Vício formal (inconstitucionalidade orgânica, inconstitucionalidade formal propriamente dita e inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato)


     "... a inconstitucionalidade formal, ..., verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contiver algum vício em sua "forma", ou seja, em seu processo de formação,..., no processo legislativo de sua elaboração, ou,..., em razão de sua elaboração por autoridade incompetente".


     "Segundo Canotilho, os vícios formais "... incidem sobre o ato normativo en­quanto tal, independentemente do seu conteúdo e tendo em conta apenas a forma da sua exteriorização...".



3.2.1 Inconstitucionalidade formal orgânica


     "A inconstitucionalidade formal orgânica decorre da inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato".


     "Para se ter um exemplo, o STF entende inconstitucional lei municipal que disci­pline o uso do cinto de segurança, já que se trata de competência da União, nos termos do art. 22, XI, legislar sobre trânsito e transporte".



3.2.2 Inconstitucionalidade formal propriamente dita


     "..., a inconstitucionalidade formal propriamente dita decorre da inobservância do devido processo legislativo...".


     "Vício formal subjetivo: ... verifica-se na fase de iniciativa. Tomemos um exemplo: algumas leis são de iniciativa exclusiva ... do Presidente da República, ... Em hipótese contrária (ex.: um Deputado Federal dando início), estaremos diante de um vício formal subjetivo insanável, e a lei será inconstitucional".


     "Vício formal objetivo:... será verificado nas demais fases do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa. Como exemplo citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa...".



3.2.3 Inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo


     "Transportando a teoria de Canotilho para o direito brasileiro, valemo-nos de exemplos trazidos por Clèmerson Merlin Clève, quais sejam, a edição de medida provisória sem a observância dos requisitos da relevância e urgência (art. 62, caput) ou a criação de Municípios por lei estadual sem a observância dos requisitos do art. 8, § 4º".



3.3 Vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário)


     "Por seu turno, o vício material ... diz respeito à "matéria", ao conteúdo normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material... Por exemplo, uma lei discriminatória que afronta o princípio da igualdade".


     "... Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional - e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) - ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia...".



3.4 Vício de decoro parlamentar (?)


     "Como se sabe e foi publicado em jornais, revistas etc, muito se falou em um esquema de compra de votos, denominado "mensalão", para votar de acordo com o governo ou em certo sentido".


     "O grande questionamento que se faz, contudo, é se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento da sua inconstitucionalidade".


     "Entendemos que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § 1º, "é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas"".


     

4. MOMENTOS DE CONTROLE

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 2014, pág. 292


4.1 Controle prévio ou preventivo


     "... o controle prévio é o realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo. Logo no momento da apresentação de um projeto de lei, o iniciador..., já deve verificar a regularidade material do aludido projeto de lei".


     O controle prévio também é realizado pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário.



4.1.1 Controle prévio ou preventivo realizado pelo Legislativo


     "O Legislativo verificará, através de suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei..., contém algum vício a ensejar a inconstitucionalidade".


     "Michel Temer observa que tal controle nem sempre se verifica em relação a to­dos os projetos de atos normativos, citando a sua inocorrência, por exemplo, sobre projetos de medidas provisórias, resoluções dos Tribunais e decretos".



4.1.2 Controle prévio ou preventivo realizado pelo Executivo


     "... o Chefe do Executivo, aprovado o projeto de lei, poderá sancioná-lo (caso concorde) ou vetá-lo".


     O veto dar-se-á quando o Chefe do Executivo considerar o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público. O primeiro é o veto jurídico, sendo o segundo conhecido como veto político".



4.1.3 Controle prévio ou preventivo realizado pelo Judiciário


     "... Trata-se,..., de controle exercido, no caso concreto, pela via de exceção ou defesa, ou seja, de modo incidental".


     "Assim, deve-se deixar claro que a legitimação para a impetração do MS é exclusiva do parlamentar, na medida em que o direito público subjetivo de participar de um processo legislativo hígido (devido processo legislativo) pertence somente aos membros do Poder Legislativo...".


     "...a perda superveniente de titularidade do mandato legislativo desqualifica a legitimação ativa do congressis­ta..."


     "Nos termos da jurisprudência do STF, o controle de constitucionalidade a ser exercido pelo Judiciário durante o processo legislativo abrange somente a garantia de um procedimento em total conformidade com a Constituição, não lhe cabendo, con­tudo, a extensão do controle sobre aspectos discricionários concernentes às ques­tões políticas e aos atos interna corporis, vedando-se, desta feita, interpretações das normas regimentais..."


     "..., em relação a projeto de lei, o STF restringiu o controle preventivo ape­nas para a hipótese de violação ao devido processo legislativo, não se admitindo a discussão sobre a matéria, buscando, assim, resguardar a regularidade jurídico­-constitucional do procedimento, sob pena de se violar a separação de poderes".


     

4.1.4 Controle prévio ou preventivo realizado pelo Poder Judiciário e a perspectiva das "normas constitucionais interpostas" (Zagrebelsky)

     "Mendes, trazendo em pauta o estudo de Gustavo Zagrebelsky, asseverou que "... se as normas constitucionais fizerem referência expressa a outras disposições normativas, a violação constitucional pode advir da violação dessas outras normas, que, muito embora não sejam formalmente constitucionais, vinculam os atos e pro­cedimentos legislativos, constituindo-se normas constitucionais interpostas (ZA­GREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna, Mulino, 1979, p. 40-41). Na verdade, o órgão jurisdicional competente deve examinar a regularidade do processo legislativo, sempre tendo em vista a constatação de eventual afronta à Cons­tituição (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, apud MENDES, Gil­mar. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. Saraiva, 1990, p. 35-36), mormente, aos direitos fundamentais" (MS 26.915-MC/DF, 08.10.2007)".


4.2 Controle posterior ou repressivo

     "O controle posterior ou repressivo será realizado sobre a lei, e não mais sobre o projeto de lei, como ocorre no controle preventivo".



4.2.1 Controle político

     "Verifica-se em Estados onde o controle é exercido por um órgão distinto dos três Poderes, órgão esse garantidor da supremacia da Constituição. Tal sistema é comum em países da Europa, como Portugal e Espanha, sendo o controle normalmente rea­lizado pelas Cortes ou Tribunais Constitucionais".


     "No Brasil, Barroso sustenta que o veto do Executivo a projeto de lei, por enten­dê-lo inconstitucional (veto jurídico), bem como a rejeição de projeto de lei na CCJ seriam exemplos de controle político".


4.2.2 Controle jurisdicional

     "O sistema de controle jurisdicional dos atos normativos é realizado pelo Poder Judiciário, tanto por um único órgão (controle concentrado) - no caso do direito brasileiro, pelo STF e pelo TJ - como por qualquer juiz ou tribunal (controle difu­so), admitindo, naturalmente, o seu exercício por juízes em estágio probatório, ou seja, sem terem sido vitaliciados, bem como por juízes dos juizados especiais".



4.2.3 Controle híbrido

         "No controle que chamamos de híbrido, temos uma mistura dos outros dois sis­temas acima noticiados. Assim, algumas normas são levadas a controle perante um órgão distinto dos três Poderes (controle político), enquanto outras são apreciadas pelo Poder Judiciário (controle jurisdicional)".


4.2.4 Exceção à regra geral do controle jurisdicional posterior ou repressivo

     "Vimos que o controle posterior ou repressivo (sucessivo) no Brasil, por regra, é exercido pelo Poder Judiciário, de forma concentrada ou difusamente. A essa regra, no entanto, surgem exceções, fixando-se hipóteses de controle posterior ou repressi­vo pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo".



4.2.4.1 Controle posterior ou repressivo exercido pelo Legislativo

     "A primeira exceção... vem prevista no art. 49, V, da CF/88, que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Mencionado controle será realizado através de decreto legislativo a ser expedido pelo Congresso Nacional..."


     a) sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar:... se no momento de regulamentar a lei o Che­fe do Executivo extrapolá-la, disciplinando além do limite nela definido, este "a mais" poderá ser afastado pelo Legislativo por meio de decreto legislativo. Cabe alertar que, no fundo, esse controle é de legalidade e não de inconstitucionali­dade, como apontado por parte da doutrina, pois o que se verifica é em que medida o decreto regulamentar extrapolou os limites da lei;"

     b) sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem dos limites de delegação legislativa:... no caso de elaboração de lei delegada pelo Presidente da República, extrapolan­do os limites da aludida resolução, poderá o Congresso Nacional, utilizando-se de decreto legislativo, sustar o referido ato que exorbitou dos limites da dele­gação legislativa".

     "A segunda exceção à regra geral está prevista no art. 62 da CF/88..., em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional... Entendendo-a inconstitucional..., o Congresso Nacional estará realizando o controle de constitucionalidade...".


4.2.4.2 Controle posterior ou repressivo exercido pelo Executivo

    "O grande problema surge quando a lei é inconstitucional. Devem os Poderes necessariamente aplicá-la, ou podem, sem qualquer formalidade, deixar de cumpri-la sob o fundamento de violação da Constituição?"


     Entendimento antes do advento da CF/88: ...

     "Nesse primeiro momento, portanto, doutrina e jurisprudência consolidaram o en­tendimento de que o Chefe do Executivo poderia deixar de aplicar uma lei por enten­dê-la inconstitucional, cabendo-lhe, ainda, baixar determinação, na condição de supe­rior hierárquico, para que os seus subordinados também não cumprissem a lei".

     Entendimento a partir do advento da CF/88:...

     "Assim, aparentemente, com o advento da CF/88, que ampliou a legitimação para o ajuizamento da ADI (art. 103, expandida para a ADC pela EC n. 45/2004), não mais se admitiria o descumprimento de lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo".

     "Entendemos que a tese a ser adotada é a da possibilidade de descumprimento da lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo".

     "Isso porque entre os efeitos do controle concentrado está a vinculação dos de­mais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99 e art. 102, § 2.0, da CF/88 - EC n. 45/2004)".

     E qual a posição do STF e do STJ sobre o tema?

     "...A 1ª Turma do STJ, por sua vez, já enfrentou o tema com maior veemência, consagrando a tese do controle posterior ou repressivo pelo Executivo: "Lei in­constitucional - Poder Executivo - Negativa de eficácia. O poder executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional" (REsp 23121/GO,Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; I.' Turma,j. 06.10.1993, DJ de 08.11.1993, p.23521 , LEXSTJ 551152)".



4.2.4.3 Controle posterior ou repressivo exercido pelo TCU

     "O TCU (cf. item 9.15), dentre outras competências previstas no art. 71 da CF/88, auxilia o Congresso Nacional no controle externo".


     "Daí, ao exercer as suas atividades poderá, sempre no caso concreto e de modo incidental, apreciar a constitucionalidade de uma lei e, se for o caso, deixar de aplicá-la".

     "Nesse sentido, destacamos a S. 347/STF: "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público"'.

     "Nas palavras do Min. Gilmar Mendes, "a própria evolução do sistema de con­trole de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988" (pendente de análise pelo Pleno)".


5. SISTEMAS E VIAS DE CONTROLE JUDICIAL

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 2014, pág. 304

     "...partindo de um critério subjetivo ou orgânico, o controle judicial de constitucionalidade poderá ser difuso ou concentrado".

     "O sistema difuso de controle significa a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal,..., realizar o controle de constitucionalidade".

     "... o sistema concentrado,..., o controle se "concentra" em um ou mais de um ... órgão...".

     "... do ponto de vista formal, o sistema poderá ser pela via incidental ou pela via principal".

     "No sistema de controle pela via incidental..., o controle será exercido como questão prejudicial e premissa lógica do pedido principal".

     "Já no sistema de controle pela via principal..., a análise da constitucionalidade da lei será objeto principal, autônomo e exclusivo da causa".

     "... verifica-se que, regra geral, o sistema difuso é exercido pela via incidental..., o sistema concentrado é exercido pela via principal...".


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1 - LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Capítulo 6, pág. 286-307. 18.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2014


Bons estudos!


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