quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Peculato (arts. 312 e 313)


DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL 


Art. 312 - PECULATO
      
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: 
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa 
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

     Capez1 em seu livro aponta modalidades de peculato, além do peculato próprio contido no caput do art. 312 do Código Penal, são eles:

- Peculato próprio

     - peculato-apropriação, assemelha-se ao crime de apropriação indébita;
     - peculato-desvio

- Peculato impróprio

     - peculato-furto


Peculato culposo: contido no § 2º do art. 312

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano. 

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.


      O objeto jurídico tutelado nesse artigo é a moralidade da Administração Pública, seu patrimônio e o patrimônio do particular que esteja sob a guarda da Administração pública.

      Damásio de Jesus e Capez afirmam que o peculato próprio constitui um tipo especial de apropriação indébita, só que praticado por um funcionário público em ratione officii, em violação do dever funcional.

      O peculato-apropriação está previsto na primeira parte caput do art. 312, tendo como ação nuclear o verbo apropriar. Tanto na apropriação indébita quanto no peculato-apropriação o agente tem a posse ou detenção lícita do bem móvel, público ou particular, só que neste último essa posse se dá em razão do cargo (ratione officii)2.

      Nesse caso há inversão do título da posse, dispondo o sujeito da coisa como se fosse dono (retendo-a, alienando-a, etc)3 .

      Exemplo trazido por Capez para fixar melhor essa diferença é no caso de "José entrega a João, seu amigo e funcionário do Detran, uma quantia em dinheiro para que este último pague uma multa naquele órgão público. João, no entanto, apropria-se do dinheiro. Nesse caso, João não teve a posse do bem em razão do cargo, devendo, portanto, responder pelo delito de apropriação indébita".

      O peculato-desvio está previsto na segunda parte do caput do art. 312, tendo como ação nuclear o verbo desviar. Nessa modalidade o agente tem a posse da coisa, porém sem ânimo de apossamento definitivo4, e lhe dá destinação diversa da exigida por lei5.

      Como exemplo Capez cita o funcionário empresta o dinheiro público para perceber os juros. Se o desvio for em proveito da própria Administração, haverá o crime do art. 315 do CP (emprego irregular de verba pública).

      O Objeto material seria a coisa sobre a qual recai a conduta do funcionário, o dinheiro, valor, ou qualquer bem móvel, de natureza pública ou privada, de que tem o funcionário público a posse em razão do cargo.

      Existe a figura do peculato malversação, que ocorre quando há apropriação de bens particulares por funcionário público. No exemplo de Capez ele cita: a Administração loca tratores de uma empresa particular para cultivar terra e o funcionário público responsável pela distribuição dos tratores apropria-se de um dos tratores para arar terras próprias, sem devolver o trator6.

      No caso de prestação de serviço os autores entendem que não constitui peculato o fato de um funcionário público utilizar-se de outrem, também funcionário público, para realização de atividade em proveito próprio. Capez, ao citar E. Magalhães, frisa que esse caso incorreria em outro delito, ou, de qualquer maneira, praticando falta conta a probidade administrativa7. Já Damásio de Jesus pondera que, "tratando-se , entretanto, de Prefeito Municipal, o fato configura delito (Dec.-Lei n. 201, de 27-2-1967, art. 1º, II)"8.

      Quanto aos sujeitos ativo e passivo, temos que, somente o funcionário público e as pessoas a ele equiparadas legalmente podem ser sujeitos ativos no crime de peculato.

      No art. 327 do CP informa que, considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública e no § 1º, equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

      Capez, citando Noronha, elenca três hipóteses que um funcionário ocupe cargo público sem preencher as condições legais. O funcionário usurpador, que no caso responderia pelo crime de apropriação indébita em concurso com o delito de usurpação de função pública previsto no art. 328 do CP; funcionário que não prestou compromisso ou não tomou posse, se este apropriar-se do patrimônio público comete o peculato; funcionário nomeado ilegal ou irregularmente, até o momento da anulação da sua nomeação é considerado funcionário, respondendo por peculato9.

      Já o sujeito passivo será o Estado ou outra entidade de direito público (Estado-membro, Município, entidade paraestatal, etc). O particular poderá ser sujeito passivo quando seus bens forem apropriados ou desviados pelo funcionário público.

      O elemento subjetivo do crime em questão é o dolo, animus rem sibi habendi. E o elemento subjetivo do tipo é a expressão "em proveito próprio ou alheio" que se aplica ao peculato-apropriação e ao peculato-desvio10.

      Em relação à apropriação de coisas fungíveis pelo funcionário público resta configurado o peculato no caso de apropriação ou desvio, pouco importando a intenção de restituir o bem.

      No entanto, caso o bem seja infungível, seu uso com a posterior devolução não configura peculato, o uso no caso é fato atípico uma vez que não há o animus domini. Contudo, quanto à gasolina fornecida pela Administração Pública, seu consumo pode ser tipificado como peculato11.

      A consumação do peculato-apropriação dar-se quando o sujeito passa a agir como se fosse dono da coisa. A consumação do peculato-desvio ocorre quando o funcionário dá à coisa destino diverso do previsto em Lei. E a do peculato culposo, quando o terceiro praticar o crime doloso, aproveitando-se da negligência do funcionário público. Neste caso, não se admite a tentativa.


STJ: “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que ‘a consumação do crime de peculato-apropriação previsto no art. 312, caput, 1.a parte, do Código Penal, ocorre no momento em que o funcionário público, em virtude do cargo, começa a dispor do dinheiro, valores ou qualquer outro bem móvel apropriado, como se proprietário fosse’ (v.g., REsp 985.368-SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5.a T., j. 30.05.2008, DJe 23.06.2008) (NUCCI, 2017, p. 831).


ARREPENDIMENTO POSTERIOR 

      Capez, baseado na decisão do STF (RT, 510/451012) e no RHC 6.152-RS13, afirma que: O ressarcimento dano ou a restituição da coisa apropriada, em se tratando de peculato doloso, não extingue a punibilidade, podendo apenas influir na aplicação da pena. Se a reparação do dano for anterior ao recebimento da denúncia, constituirá causa de diminuição da pena, nos termos do art. 16 do CP. Se posterior ao recebimento da denúncia, constituirá atenuante genérica (art. 65, III, d). 


TENTATIVA 

      A tentativa é admissível. Capez exemplifica: "quando o tesoureiro ou caixa de repartição é detido ao sair desta, portando dinheiro que deveria ter ficado no respectivo cofre, provados os outros requisitos do crime, terá cometido tentativa, pois o numerário ainda se encontrava sob a vigilância e defesa da administração pública, não se podendo dizer que o agente já tinha domínio dele. Seu objetivo ficou em tentativa14.

      O § 1º traz a figura do peculato-furto (peculato impróprio). Que é um crime de furto praticado por funcionário público, que se vale dessa qualidade para cometer o crime.

      "Aqui o agente não tem a posse ou detenção do bem como no peculato-apropriação ou desvio, mas se vale da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário público para realizar a subtração - por exemplo, fiscal da prefeitura verifica que o tesoureiro deixou o cofre aberto e daí retira certa importância"15 .

      Nessa modalidade, o sujeito realiza a subtração ou concorre para que outro subtraia o objeto. Por exemplo, "um guarda noturno que aproveita para entrar no almoxarifado e de lá subtrair diversos materiais"  ou, de forma concorrente, "poderá o agente, propositadamente, deixar aberta a porta da repartição pública em que trabalha para que outrem, previamente conluiado, realize a subtração. Nesses exemplos, os dois respondem por peculato, devido a comunicação da qualidade de funcionário16.

      Damásio de Jesus explica que, a ausência da facilidade de subtração do objeto material conduz ao crime de furto. Se o funcionário arromba uma porta e, penetrando na repartição vizinha, subtrai bens público, responderá por furto qualificado e não peculato-furto, uma vez que não se valeu da condição de agente do poder público17 .

      O peculato culposo, previsto no §2º do art. 312, está relacionado com atos de negligência, imprudência ou imperícia que daí concorre para a prática de crime por outrem, que pode ser também um funcionário ou um particular. Nas palavras de Capez, o agente pratica um delito doloso se aproveitando das facilidades proporcionadas, culposamente, pelo funcionário público18.

      Damásio de Jesus explica que "se o terceiro for funcionário público, que vale-se da facilidade de acesso à repartição, e concorre com a conduta culposa de outro funcionário público, este responderá por peculato-culposo, e o terceiro por peculato-furto.

      Outro exemplo, trazido por Capez, diz que: funcionário público esquece de trancar a porta da frente da repartição e o furtador adentra o local pela porta dos fundos, como não há nexo causal entre o crime e a negligência, o funcionário público não responderá por crime algum.

      Lembrando que não admite tentativa em crime culposo, o funcionário só poderá responder se o crime consumar-se. Mas o terceiro responde pela tentativa.

      Damásio descreve que, como aqui trata-se de peculato culposo, e conforme §3º, ocorrendo a reparação do dano antes da sentença irrecorrível, extingue-se a punibilidade; se a reparação se der posteriormente à sentença, a pena será reduzida pela metade19. Complementando com Capez, este esclarece que a reparação "deve ser completa e não exclui eventual sanção administrativa contra o funcionário20.

      A extinção da punibilidade só atinge o autor do peculato culposo. E a reparação do dano, segundo Damásio, pode ser promovida pelo sujeito ativo do peculato ou por terceiro em seu nome21.

     Algumas questões trazidas por Capez esclarece que o tutor, o curador, o inventariante judicial, o liquidatário, o testamenteiro ou o depositário judicial nomeado pelo juiz, exercem múnus público e não função pública, portanto não respondem por peculato, mas sim por apropriação indébita majorada.

      Outro ponto é o de um funcionário induzir outro funcionário em erro para obter a posse do bem da Administração pública, nesse caso responderá por estelionato devido ter induzido ao erro.

      Quanto ao princípio da insignificância, incide neste crime.

      Em relação ao concurso de crimes, a venda posterior do objeto material do crime de peculato não é punível visto que o dano já estará absorvido.

      Tratando-se de funcionário público ocupante de cargo em comissão, função de direção ou de assessoramento em determinadas entidades, aplica-se a causa de aumento e pena prevista no art. 327, §2º, do CP. 


ART. 313 - PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM 

      É o chamado peculato-estelionato, nesse caso o funcionário público não induz a vítima ao erro, ele apenas se aproveita do erro em que a vítima incidiu e se apropria do bem.

      Como exemplo, Capez cita: pagamento de uma taxa municipal a funcionário incompetente para recebê-la, o qual, ao perceber o erro em que incidiu o contribuinte, silencia, apoderando-se do valor pago22.

      Ainda segundo Capez em concordância com Damásio, o erro pode versar sobre: a coisa que é entregue ao funcionário; a obrigação que deu causa à entrega e sobre a pessoa a quem se faz a entrega.

      Com objeto material tem-se o dinheiro ou qualquer outra utilidade que tenha recebido no exercício do cargo mediante aproveitamento ou manutenção do erro de outrem.

      O sujeito ativo é o funcionário público, visto tratar-se de crime próprio, no entanto o particular pode ser partícipe do fato. Quanto ao sujeito passivo será o Estado e o indivíduo que sofreu a lesão.

      O crime consuma-se com a apropriação do bem, quando age como se fosse o dono, e não com o mero recebimento. É possível a tentativa.

      Tratando-se de funcionário público ocupante de cargo em comissão, função de direção ou de assessoramento em determinadas entidades, aplica-se a causa de aumento e pena prevista no art. 327, §2, do CP.


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  • Referência
- CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública (arts. 213 a 359-H). 11. ed. de acordo com as Leis n. 12.720 e 12. 737, de 2012 - São Paulo: Saraiva, 2013. 
- JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 22. ed. - São Paulo: Saraiva, 2014

Bons estudos!


1 CAPEZ, Fernando. pág. 467 
2 CAPEZ, Fernando. pág. 468 
3 JESUS, Damásio. pág. 1155 
4 JESUS, Damásio. pág. 1155 
5 CAPEZ, Fernando. pág. 469 
6 IDEM 
7 IDEM. Pág. 470 
8 JESUS, Damásio. pág. 1155 
9 CAPEZ, Fernando. pág 470 
10 CAPEZ, Fernando. Pág. 471 
11 IDEM, pág. 472 
12 STF: “O ressarcimento do dano não extingue a punibilidade no peculato doloso. O que importa nesse crime não é só a lesão patrimonial, mas, igualmente, a desmoralização a que fica exposta a Administração Pública” (RT 510/4510). 
13 STJ : ‘O ressarcimento antes do oferecimento da exordial acusatória não extingue, no peculato doloso, a punibilidade e nem caracteriza o arrependimento eficaz’. (RHC 6.152-RS – DJU de 29-9-1997, p. 48.235). 
14 CAPEZ, Fernando, pág. 475 
15 CAPEZ, Fernando, pág. 476 
16 IDEM 
17 JESUS, Damásio, pág. 1158 
18 CAPEZ, Fernando. Pág. 477 
19 JESUS, Damásio, pág. 1159 
20 CAPEZ, Fernando. pág 478 
21 JESUS, Damásio, pág. 1159 
22 CAPEZ, Fernando. Pág. 481



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