domingo, 3 de maio de 2015

A incorporação do tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro

Acabamos de ver como se dá a aplicação dos tratados internacionais no plano internacional, regras que vão balizar comportamento dos Estados e Organizações Internacionais sobre a vinculação e execução do tratado internacional, e a Convenção de Viena tem vocação de ser aplicada no ordenamento brasileiro desde 2009.

A aplicação do tratado internacional no ordenamento jurídico brasileira depende de um processo legislativo, e constitui um mecanismo de controle dos atos do Executivo pelo Poder Legislativo, isso é característico de um Estado de Direito.

Todo ato celebrado pelo Poder Executivo deve passar pelo crivo do Congresso Nacional, que de acordo com art 49, I da Constituição Federal, estabelece sua competência para pronunciar definitivamente sobre os atos internacionais.

A partir de 2004 e com a intervenção do constituinte derivado por meio da emenda constitucional nº 45 essa processualística de incorporação do tratado internacional passa a sofrer uma modificação em função da matéria, com acréscimo do §3º ao art. 5º exige do Congresso Nacional um quorum qualificado. Logo, a aplicação do tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro está sujeito a um processo de internalização, de recepção do tratado internacional de acordo com art. 49, I e art. 5, §3º da CF.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Art. 5, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.


O primeiro estabelece um regime geral de incorporação e o segundo, um regime específico para o tratado internacional de direitos humanos.

6.1. O regime geral previsto no art. 49, I da Constituição Federal Brasileira

 

O regime geral é o processo que se aplica a todos os tratados, ocorre em atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, com iniciativa da presidência da república.

Primeiramente desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Brasil passou a celebrar milhares de tratados internacionais, o que configurou uma maior participação no cenário internacional, ensejou sua inserção na comunidade internacional, e isso estimulou o trabalho do Congresso Nacional na recepção desses tratados.

Para que um tratado internacional produza efeitos jurídicos no ordenamento brasileiro não basta a manifestação do consentimento do seu representante em cumprir o pacta sunt servanda, é preciso que a manifestação da soberania seja objeto de um processo de incorporação, consistente no mecanismo de controle parlamentar dos atos do Poder Executivo.

Logo, esse processo de incorporação do tratado internacional regido pela CF de 1988 suscitou o trabalho em conjunto entre os poderes Executivo e Legislativo. Sabemos que de acordo com a Carta Magna de 1988, somente o Poder Executivo está habilitado a relacionar-se internacionalmente, nos termos do art. 84, VIII, dessa forma o estado brasileiro pelo Poder Executivo representa o interesse nacional, mas não se compromete internacionalmente a cumprir os tratado vez que é necessário que haja a intervenção do Congresso Nacional.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;


O Brasil adotou o sistema dualista para incorporação de um tratado internacional,o qual exige submissão de todo ato internacional ao crivo do parlamento. Os efeitos jurídicos dessa incorporação são o de criar direitos para os particulares, bem como a obrigação dos poderes públicos em cumprir as regras do tratado em seu território de acordo com o art. 29 da Convenção de Viena de 1969.

a) Atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo

 

        • Celebração do tratado

Basicamente essa atuação conjunta é regida pelo art 49,I e 84, VIII da CF. O tratado devidamente assinado pelo Presidente da República só produzirá efeito jurídico no plano interno com a anuência do Congresso Nacional. Mas a aplicação do tratado internacional, sempre parte da iniciativa do Presidente da República porque o desejo, a vontade política de vincular-se internacionalmente sempre vem das relações externas desenvolvidas pelo governo.

As negociações, a celebração é uma prerrogativa do Poder Executivo, a sua aplicabilidade interna é prerrogativa do Congresso Nacional.

O art. 84, VIII da CF determina que a celebração é sempre da competência privativa do Presidente da República condicionado ao pronunciamento do Congresso Nacional. Então não há possibilidade, via de regra, de aplicação de um tratado internacional sem um pronunciamento positivo do Congresso Nacional.

A questão de que se coloca é de saber se todos os tratados passam pelo crivo no Congresso Nacional. Na prática observa-se que vários atos internacionais são aplicados independentemente de processo legislativo, são os chamados acordos executivos, os quais são tratados internacionais celebrados pelo Poder Executivo, mas em razão da sua insignificância jurídica não necessitam do trabalho legislativo, na verdade recorre-se aos critérios do art. 49, I. Por exemplo, um acordo internacional sobre intercambio universitário não precisa do processo legislativo.

Se o Brasil celebra o Tratado de Assunção que cria uma Organização Internacional que tem competência normativa, essas normas elas decorrem de uma ato constitutivo que recebeu anuência e incorporação do estado brasileiro. As normas emanadas desse órgão, via de regra, necessitariam de processo legislativo do Congresso Nacional, mas por essa doutrina não, porque seria competências derivadas de uma Organização Internacional que o Brasil participou e o Congresso Nacional já ratificou.

Via de regra, todos os tratados internacionais devem ser apresentados ao Congresso Nacional.

        • Processo legislativo

Quando a presidência entrega a mensagem do tratado internacional inicia-se o processo legislativo, o art. 59, VI da CF trata do processo.

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: (...) VI - decretos legislativos


Sob o regime da Constituição Federal de 1988 existe uma outra prática que é de atribuir ao tratado internacional a sanção do processo de aprovação pela aprovação de um decreto legislativo.

O decreto legislativo faz parte da lista do art. 59 da Constituição brasileira, sendo um produto normativo do Congresso Nacional. E o tratado é outra espécie normativa que não consta na relação do art 59., daí porque o parlamentar não teria como aprovar o tratado internacional porque tal espécie não consta na lista no art. 59.

Daí vem a necessidade de se reconhecer o tratado como espécie normativa própria, e que não pertence a norma jurídica interna, não é da alçada do jurídico interno elaborar tratado.

Mas no momento em que o tratado é apresentado ao Congresso Nacional ele vai se despir dessa roupagem de tratado internacional. Esquece o mundo exterior e cuida do tratado apenas do ponto de vista interno. Passa a ser apresentado à Câmara dos Deputados, onde inicia-se o processo legislativo. A Câmara vai encaminhar o tratado para duas comissões, a de Relações Exteriores e a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A primeira comissão vai apreciar o tratado internacional à luz dos interesses políticos do estado brasileiro. Mas o tratado não pode ser alterado, apenas pode se pedir uma reserva.

A comissão de relações exteriores encaminha seu parecer à Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, esta vai analisar os aspectos administrativos fazendo controle de legalidade. Assim, o tratado passa por um controle pelas comissões, o deputado terá como saber se o tratado fere alguma legislação já existente.

Após aprovação em plenário, a Câmara envia o projeto para o Senado Federal. A Comissão das Relações Exteriores e Defesa Nacional vai repetir o trabalho já feito na Câmara dos Deputados e enviar também à CCJ. O projeto será sujeito ao voto de maioria simples de acordo com art . 47 da Constituição Federal.

Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.


Quando o Senado aprova o Decreto legislativo ele é publicado no diário oficial do Congresso Nacional, é uma primeira promulgação feita pelo Presidente do Congresso Nacional, trata-se da divulgação da aprovação pelo Congresso Nacional.

        • A promulgação presidencial

Após, é encaminhado à Presidente da República, que faz a segunda publicação no diário oficial da União. Logo temos dois atos de promulgação.

A promulgação é um ato administrativo que vai sancionar a entrada em vigor de uma norma, lei, tratado internacional. Ao emitir o decreto, que é a promulgação, o tratado internacional passa a produzir efeito jurídico, e se atribui força executória pelo ato de promulgação.

Exige-se a publicação no diário oficial da União em cumprimento com a publicidade. Decreto sem ser publicado no diário oficial ainda não produz efeito jurídico.

O que se colocou como problemática no processo legislativo é de saber se o ato de promulgação do presidente do Congresso Nacional seria suficiente para ter efeito jurídico do tratado. Poderia se dispensar o decreto presidencial?

De acordo com art. 84, IV da CF, observa-se que, via de regra, o Presidente da República deveria sancionar o decreto legislativo. Mas o que acontece se ele não se pronunciar? no silêncio do Presidente da República o tratado internacional poderia entrar em vigor.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (..)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Art. 66, §3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.

b) Efeitos jurídicos da incorporação

 

        • Obrigatoriedade

O tratado internacional entrou em vigor, foi promulgado e publicado, passa a produzi efeitos jurídicos. Isso significa que o Brasil se comprometeu internacionalmente a adotar determinado comportamento que vai gerar direito para seus súditos. Essa obrigação internacional não se limita ao Pode Executivo.

A aplicação do tratado significa que no momento da vigência gera obrigação para o Brasil no planos interno e internacional. O descumprimento pode acarretar a responsabilidade internacional. Se o STF ou STJ descumprirem um tratado internacional, o estado brasileiro responde no âmbito internacional.

Para os particulares, a incorporação do tratado os autoriza a buscar a satisfação dos direitos previstos perante a autoridade judiciária ou administrativa, a qual tem a obrigação de aplicar a norma.

        • Posição hierárquica

Segundo ponto é a posição hierárquica. O tratado internacional equivale a uma lei ordinária. Essa foi um afirmação dada pelo STF no RE8.0004 de 1/7/77. A doutrina condena essa decisão.

Esse RE trata da normativa sobre letras de câmbio e notas promissórias, que são formas de pagamento. A normativa interna trazia vantagem para a empresa e era contrária a Convenção de Genebra de 1977. O que determinou o STF? reconheceu uma paridade entre a lei e o tratado, sendo assim, aplica-se a regra lex posterior derogat priori.

Se o tratado equivale à uma lei então vou fazer prevalecer uma lei posterior revogando a lei anterior, que é o tratado. Exatamente o que fez o STF, fez prevalecer uma lei ordinária sobre um tratado internacional invocando além da paridade normativa, esse critério cronológico. Com isso rompeu com a jurisprudência que reconhecia a prevalência dos tratados internacionais.

Esse entendimento prevaleceu até 1992, quando o Brasil celebra tratado de direitos humanos, nesse ano o Brasil incorporou meia dúzia de tratados de direitos humanos. Nesse questão havia a situação do depositário infiel.

Daí veio a decisão STF HC 72.131/RJ de 23/11/1995. Aqui foi rejeitado a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, a qual prevê a proibição da prisão do devedor. O tratado foi afastado devido a prevalência da regra interna especial, e também foi invocado foi a prevalência da CF que prevê, no seu artigo 5°, LXII, a prisão civil por dívida em caso de inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Essa situação perdurou até o julgamento do RE 46.6343-1 de SP de 22/11/2006 jugado em 2008.

Entre 1995, 2006, 2008 havia duas correntes no STF, que toda questão do depositário infiel era de saber onde situava os tratados internacionais de Direitos humanos, mais especificamente a Convenção Americana e o Pacto de Nova Iorque. Eles estavam equiparados a uma lei ordinária, abaixo ou no mesmo plano da Constituição Federal?

A discussão no STF, a simples leitura da Constituição art. 5, §2º determina que todos os tratados em que o Brasil seja parte aglutina-se ao direitos fundamentais no artigo 5º. Segundo Gilmar Mendes, na Constituição Federal existe um lugar reservado para os tratados acima da Lei Ordinária e abaixo da Constituição, é a tese da supralegalidade dos tratados de Direitos Humanos. Em 2008 o STF vai consagrar essa teses e hoje se tem a ideia que os tratados internacionais de Direitos humanos, todos eles, incorporados ao ordenamento brasileiro gozam de uma superioridade hierárquica acima das leis e abaixo da Constituição Federal.

Qual a situação hoje na aplicação dos tratados internacionais no Brasil? ela decorre do processo de incorporação, e feito isso está entregue à interpretação do STF. Os que não cuidam de Direitos Humanos equivalem à Lei Ordinária; os de Direitos Humanos gozam de supralegalidade, lembrando que essa dicotomia não encontra fundamentação no direito internacional. Mas o que conta para o Direito Internacional é que, seja qual for o compromisso internacional os tratados de Direitos Humanos gozam de um status específico consagrado na Convenção de Viena de 1969.

6.2. O regime específico previsto pelo art. 5, §3º da Constituição Federal Brasileira

 

O art. 5, §3º da CF, esse dispositivo foi motivado pela vontade de resolver uma celeuma sobre aonde posicionar os tratados internacionais de Direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

A processualista oferecida pelo art. 5, §3º prevê que os tratados e convenções internacionais sobre Direitos humanos que forem aprovados em 2 turnos por 3/5 serão equivalentes às emendas constitucionais. Quando esse quorum é alcançado o tratado internacional sancionado pelo Presidente da República fica equiparado à Constituição Federal.

A questão que se coloca a partir de 2004 é, o que acontece com todos os tratados de direitos humanos que não foram aprovados pela maioria qualificada de 3/5? eles não teriam valor constitucional?

Abordamos as diferenças de posicionamentos dos tratados internacionais como um todo, vimos que, por um lado no STF tem a paridade normativa; nós temos os tratados internacionais supralegais, e agora temos a nova categoria que são os tratados internacionais de Direitos humanos com valor hierárquico constitucional. Isso mostra uma discriminação entre os tratados de Direitos humanos, mas como aceitar que um possa prevalecer sobre o outro? na ânsia de resolver uma celeuma o constituinte derivado constituiu uma nova confusão.

Existem outras manifestações da supralegalidade no direito brasileiro, uma que não consta da Constituição, mas sim do Código de Tributação Nacional (CTN), o art. 98 por exemplo prevê que o tratado internacionais de cunho tributário prevalece sobre o direito interno.

O novo Código de Processo Civil prevê a prevalência de convenções internacionais sobre o direito interno, art. 13 e art 24.

Art. 13.  A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.
Art. 24.  A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.



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  • Referência
Aula Direito Internacional Público, Profº Jahyr-Philippe Bichara, com anotações de Régia Carvalho, Abril/2015, UFRN

Bons estudos!


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