domingo, 7 de junho de 2015

Ato ilícito e Abuso de direito



      É a ação humana voluntária, não desejada pelo direito, que causa dano material ou moral a outrem.

     É o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direitos e causando prejuízos a outrem. É considerado como fato jurídico em sentido amplo, uma vez que produz efeitos jurídicos que não são desejados pelo agente, mas somente aqueles impostos pela lei.

     O ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo, sendo certo que o primeiro interessa ao presente estudo. Entretanto, é fundamental apontar que há casos em que a conduta ofende a sociedade (ilícito penal) e o particular (ilícito civil), acarretando dupla responsabilidade.

      De acordo com o art. 935, CC, responsabilidade civil independe da criminal.

     Às vezes, a responsabilidade pode ser tripla, abrangendo também a esfera administrativa, como no caso de uma conduta que causa danos ao meio ambiente, sendo-lhe aplicadas as sanções administrativas, civis e criminais previstas nas Leis 6938/81 (Política nacional do meio ambiente) e 9605/98 (crimes ambientais).

     Nem todo fato ilícito civil repercutirá no âmbito do Direito Penal. A responsabilidade civil poderá decorrer de fatos rigorosamente lícitos, como por exemplo nos arts. 929 e 930 do CC tem o dever de reparar danos causados a terceiros em estado de necessidade. Exemplificando: se um motorista, para se livrar de alguém que dirige em contra-mão de direção, descamba para o acostamento e derruba um muro ou cerca pertencente a terceiro, haverá o dever de reparar o dano, com direito regressivo em relação ao causador do perigo, apesar da conduta ser reconhecida como lícita 

CC, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.


     Veja que esse artigo fala em ação ou omissão, negligencia ou imprudência. Dentro da nossa estrutura temos a responsabilidade subjetiva e objetiva.


CC, Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.



     Em qualquer hipótese, para o reconhecimento do fato ilícito é imprescindível comprovar a presença de alguns elementos essenciais, que podem ser sintetizados:

i) a conduta do agente (comissiva ou omissiva) contrária ao ordenamento jurídico;

ii) a culpa (lato sensu, abarcando, a um só tempo, o dolo, e a culpa strito sensu, caracterizada pela imprudência, negligência e imperícia);

iii) o dano causado a terceiro (de ordem patrimonial ou não-patrimonial);

iv) o nexo de causalidade entre a conduta culposa e o prejuízo imposto ao ofendido. 

     A ilicitude tem seu nascedouro, fundamentalmente, na contrariedade ao direito, ou seja, em ato praticado em desacordo com o ordenamento jurídico, sendo este o seu elemento objetivo (violação da ordem jurídica). Em complementação à noção de ilicitude constatamos a imputabilidade do agente como um elemento de espectro subjetivo, uma vez que diz respeito à capacidade de perceber ou compreender o caráter ilícito da conduta que se pratica (culpa lato sensu).

     O ilícito civil pode decorrer da transgressão de um dever jurídico proveniente diretamente do sistema jurídico, ou seja, da transgressão de normas-regras ou de normas-princípios, ou pode, ainda, resultar de um dever emanado da própria vontade individual manifestada em negócio jurídico, neste caso, o dano decorre do descumprimento de um contrato entre as partes.
Efeitos Jurídicos da ilicitude  

     Em primeiro plano, o mais comum de todos os efeitos da ilicitude, seguramente, é a obrigação de reparar o dano causado a outrem. Isto é, a classificação mais comum da ilicitude é indenizante. Exemplo: Bastaria imaginar a veiculação de uma notícia falsa, atentatória à honra e a dignidade de alguém, através de veículo de imprensa.
     Por outro turno, se um dos genitores, no exercício do poder familiar, aplicar ao filho um castigo imoderado, consistente em retirá-lo do ensino fundamental, praticará um ato ilícito, cujo efeito será a possibilidade de destituição ou suspensão do poder familiar do pai. Equivale a dizer, haverá um efeito caducificante decorrente do ilícito, sem existir, contudo, qualquer dever de reparar dano.

     Seguindo a trilha, vale lembrar, ademais, que será ilícito o contrato tendente ao transporte de substância entorpecente. Considerando que, no caso, o transportador tenha cumprido a sua obrigação, não será possível a execução do contrato porque o seu objeto é ilícito, gerando a invalidade absoluta do negócio jurídico, como reza o art. 166 do Código Civil. Aqui, tem-se um ilícito invalidante, sem qualquer efeito indenizatório.

     Noutra dimensão, em um contrato de doação, se o donatário (o beneficiário) se comportar de forma ingrata, ignóbil, contra o doador, será possível a revogação da doação por ingratidão, como sinaliza o art. 557 da Lei Civil. Nesse caso, a prática da ilicitude (a ingratidão do donatário) autoriza o doador a revogar a doação, evidenciando um efeito bastante distinto da indenização.

Abuso de Direito
 
     Responsabilização pelo “mau uso” de um direito.

CC, Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


     É um artigo novo não existia no CC/16. Algo que a princípio era lícito, pode se  transformar em algo ilícito devido a forma que é exercitado.

     Abusos e direito é um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito. A ilicitude está na forma de execução dos atos. 

     Analisando o art. 187 do CC-02, conclui-se não ser imprescindível, pois, para o reconhecimento da teoria do abuso de direito, que o agente tenha a intenção de prejudicar terceiro, bastando, segundo a dicção legal, que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Adotou-se, portanto, o critério finalístico para a identificação do abuso de direito. 

     Apenas a título de exemplificação, podemos apontar algumas hipóteses de abuso de direito: no Direito Contratual, a negativa injustificada, causadora de prejuízo, de contratar, após o proponente nutrir a legítima expectativa da outra parte; no Direito das Coisas, o uso abusivo do direito da propriedade, desrespeitando a política de defesa do meio ambiente; no Direito de Família, a exacerbação do poder correcional dos pais em relação aos filhos; no Direito do Trabalho, o exercício abusivo do direito de greve; no Direito Processual do Trabalho, a sanção cominada nos arts. 731 e 732 da CLT, aplicável especialmente ao reclamante, que não comparece por duas vezes à audiência designada, deixando arquivar (extinguir o processo sem julgamento do mérito) a reclamação, sempre que percebe a presença do reclamado, para tentar forçar uma revelia deste, no dia em que o mesmo esteja impedido de comparecer.

     Em conclusão, transcrevemos a precisa observação feita por SÍLVIO VENOSA, de referência à expressa consagração da teoria do abuso de direito no Novo Código Civil brasileiro: “O Projeto, de forma elegante e concisa, prescinde da noção de culpa, no art. 187, para adotar o critério objetivo-finalístico. É válida, portanto, a afirmação apresentada de que o critério de culpa é acidental e não essencial para a configuração do abuso. Adota ainda o Projeto, ao assim estabelecer, a corrente majoritária em nosso meio” 

Excludentes de Ilicitude

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Da legítima defesa

      A legítima defesa penal consiste em repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, cuja consequência da sua ocorrência repercute estritamente no campo penal é, por exemplo, a defesa contra uma tentativa de homicídio. Já em relação à segunda – legítima defesa civil, ao revés, a repercussão da sua ocorrência dá-se na esfera civil, gerando o exemplo, por exemplo, a manutenção da posse de um imóvel ou a retenção de determinada coisa como forma de garantir o adimplemento da obrigação assumida.

     Cinco hipóteses específicas que autoriza a legítima defesa: embargo extrajudicial na Ação de Nunciação de Obra Nova, o Direito de Retenção, o Penhor Legal, a Legítima Defesa da Posse e o Desforço Imediato.

     Ação de nunciação de obra nova: o objetivo dessa ação é coibir o abuso praticado pela construção de obra nova que de alguma forma acarrete ao vizinho desta algum prejuízo, encontrando, pois, assenti no direito de vizinhança.

     Direito de retenção: um meio de defesa outorgado ao credor, a quem é reconhecida a faculdade continuar a deter coisa alheia, mantendo-a em seu poder até ser indenizado pelo deu crédito.

     Penhor legal: HOMOLOGACAO DE PENHOR LEGAL. NAO PAGAMENTO DE DESPESAS DE HOSPEDAGEM. RETENCAO DE BENS DE HOSPEDE DE HOTEL. LEGALIDADE DO ATO. NAO COMPROVACAO POR TERCEIRO DE PROPRIEDADE DE BEM RETIDO. APELO IMPROVIDO.

     Legítima defesa de posse: refere-se exclusivamente a hipótese em que o possuidor é turbado em sua posse autorizando-lhe o ordenamento que se utilize deste meio de defesa direta reagindo imediatamente contra a turbação sofrida.

     Desforço imediato: sua aplicabilidade restringe-se as situações em que a posse tenha sido esbulhada, permitindo-se ao prejudicado restituir-se na condição de possuidor, por suas próprias forças, desde que o faça logo.
Do estado de necessidade  

     Ocorre quando alguém deteriora ou destrói coisa alheia ou causa lesão em pessoa, a fim de remover perigo iminente. Não libera o dever de indenizar. (art. 929 e 930).
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA. ESTADO DE NECESSIDADE. Embora o art. 160, II do CC/16 disponha que a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente, não constitui ato ilícito, tal circunstância não desonera o autor do dano da obrigação de ressarcir o dono da coisa danificada pelos prejuízos sofridos em conseqüência do seu ato. Neste sentido preceitua expressamente o art. 1.159 do CC/16. Portanto, no caso sub judice, mesmo tendo o autor dado causa ao acidente porque conduzia, às pressas, sua esposa enferma a um hospital, deverá ressarcir a seguradora demandante que arcou com os danos causados no veículo colidido pelo réu. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70012179842, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 10/11/2005).
Do exercício de direito 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO DO NOME DA PARTE AUTORA PERANTE OS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DÉBITO EXISTENTE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. DANO MORAL INOCORRENTE. Demonstrado o inadimplemento do débito que deu causa à inscrição realizada pela parte demandada, descabe falar em ato ilícito. Inscrição realizada que se constitui exercício regular de direito. Dano moral inocorrente. Ação improcedente. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70063895486, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 29/04/2015).



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  • Referência
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Parte geral e LINDB. 12. ed. Salvador: Juspodivum, 2014. V1

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 1: PArte geral. 16 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014

TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 4 ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014

Legitima defesa, disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2119/Hipoteses-de-legitima-defesa-no-Direito-Civil>, acessada em maio/2015

Exclidentes da responsabilidade, disponível em <http://academico.direito-rio.fgv.br/wiki/Aula_7._Excludentes_da_responsabilidade_civil>. Acessado em Maio de 2015


Bons estudos!


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