quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Títulos de crédito em espécie


 5   Títulos de crédito em espécie

São a letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicada que se destacam dentre os principais títulos de crédito previstos na legislação brasileira. Possuem disciplina legal específica.

 5.1   Letra de câmbio

Surge em decorrência do câmbio trajetício. Entre uma cidade e outra a moeda era diferente, então trocava-se o dinheiro com um banqueiro que entregava uma carta chamada littera cambii ordenando que outro banqueiro pagasse a quantia fixada ao seu portador.

No Brasil, a letra de cambio foi substituída, na práxis comercial, pela duplicata.

 5.1.1   Saque da letra

A letra de cambio se estrutura como uma ordem de pagamento, origina as situações do sacador, a do sacado, e a do tomador. O art. 3º da Lei Uniforme admite que a letra seja sacada à ordem do próprio sacador; sobre o próprio sacador; ou por ordem e conta de terceiro.

Requisitos para preencher a letra de câmbio (arts. 1º e 2º Lei Uniforme):

  • Expressão letra de câmbio (cláusula cambiária);
  • Ordem incondicional para pagamento de quantia determinada (sem qualquer condição);
  • O nome do sacado, do tomador e assinatura do sacador;
  • Data do saque;
  • Lugar do pagamento e lugar do saque;

A jurisprudência admite a emissão de título de crédito em branco ou incompleta.

Enunciado 387 da súmula de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “a cambial emitida ou aceita com omissões ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto”. No mesmo sentido, dispõe o Código Civil, em seu art. 891, que “o título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados”.

 5.1.2  Aceite da letra

O aceite é o ato facultativo pelo qual o sacado assume obrigação cambial e se torna o devedor principal da letra. Ele não é obrigado a cumprir a ordem de pagamento contra sua vontade, mas uma vez aceita torna-se irretratável.
 
O não aceite ocasiona o vencimento antecipado do título, podendo o tomador exigir do sacador o seu pronto pagamento.

O sacado pode aceitar a letra parcialmente, também ocorrendo o vencimento antecipado do título.

Espécies de aceite parcial:

Aceite limitativo: o sacado aceita apenas parte do valor do título;

Aceite-modificativo: o sacado altera algumas condições de pagamento do título, exemplo: o vencimento.

Para se prevenir do vencimento antecipado no caso de não aceite pelo sacado, o sacador pode inserir a cláusula não aceitável (art. 22 da Lei Uniforme), que impõe ao tomador a obrigação de só procurar o sacado para o aceite na data do vencimento, se procurar antes, não será possível ao sacado recusar o aceite.

Variante da cláusula não aceitável é o sacador estipular uma data certa para que a letra possa ser levada a aceite.

 5.1.3   Vencimento da letra

Letra com dia certo vence na data preestabelecida pelo sacador.

Letra à vista tem seu vencimento no dia da apresentação do título ao sacado.

Letra a certo termo da vista vence após prazo estipulado pelo sacador quando da emissão e que começa a correr a partir da vista (aceite) do título.

Letra a termo certo da data vence após prazo estipulado pelo sacador e que começa a correr a partir da sua emissão (saque) do título.

 5.1.4   Prazo de apresentação e pagamento da letra

Na letra a certo termo da vista o tomador deve apresentá-la no prazo estabelecido no título ou, caso não tenha, dentro de um ano contado da emissão do título (art. 23 da Lei Uniforme).

Na letra à vista o tomador pode apresentar o título diretamente para pagamento, o que deve ser feito em um ano a partir da emissão.

Destaque-se que, uma vez apresentada a letra para aceite, o sacado deverá devolvê-la de imediato (art. 24 da Lei Uniforme), não podendo retê-la, sob pena, inclusive, de responsabilização penal pelo crime de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal). Pode o sacado, todavia, requerer ao tomador que a letra lhe seja apresentada novamente no dia seguinte ao da primeira apresentação, ou seja, 24 horas depois. Trata-se do chamado “prazo de respiro”. 

Aceita a letra, caberá ao tomador aguardar a data do seu vencimento. Vencida a letra, ela se tornará, como mencionamos no tópico antecedente, exigível, devendo então ser apresentada ao aceitante para pagamento, que deve ser realizado, em princípio, por ele próprio, que é o seu devedor principal. 

Em regra, a letra deverá ser apresentada para pagamento no dia do seu vencimento, salvo se esse recair em dia não útil, caso em que deve ser apresentada no dia útil seguinte. Vencido o título, caso o tomador não apresente a letra para pagamento, começa a fluir o prazo para protesto, que na letra de câmbio deverá ser feito nos dois dias úteis seguintes ao vencimento (art. 44 da Lei Uniforme). 

 5.2   Nota promissória

Estrutura-se em uma promessa de pagamento, origina a situação do sacador ou promitente e do tomador.

 5.2.1   Saque

Requisitos essenciais (art. 75 da Lei Uniforme):

  • a expressão nota promissória (cláusula cambiária);
  • promessa incondicional de pagamento de quantia determinada;
  • o nome do tomador (isto impede emissão ao portador);
  • a data do saque;
  • assinatura do subscritor;
  • lugar do saque ou menção de um lugar junto ao nome do subscritor;

A nota pode ser emitida em branco ou incompleta, a cláusula de ordem é implícita.

 5.2.2   Regime jurídico

É o mesmo da letra de cambio, Lei Uniforme de Genebra, Decreto 57.663/1966.

Difere no que a letra de cambio é uma ordem de pagamento, enquanto a promissória é uma promessa de pagamento. Por isto não se aplica à nota promissória as regras sobre aceite.

A Lei Uniforme, art. 78, admite a emissão de nota promissória a certo termo de vista, caso em que o título deverá ser levado ao visto do subscritor no prazo de um ano a contar do saque da nota.

Na letra de cambio o devedor principal é o sacado, enquanto na nota promissório, é o próprio sacador (ou subscritor).

 5.2.3   A nota promissória e os contratos bancários

A nota promissória e a letra de cambio não possuem presença marcante no Brasil, pois os mais utilizados são o cheque e a duplicata.

A nota promissória tem certa importância nos contratos bancários, a letra de cambio está em desuso. A nota promissória emitida com vinculação a determinado contrato, de certa forma descaracteriza a abstração/autonomia do título, pois o terceiro que recebeu via endosso tem conhecimento da relação que deu origem ao título.

Todavia, a nota promissória conserva, em princípio, a sua executividade, salvo se o contrato a que está ligada descaracterizar a sua liquidez .

 5.2.3.1   A cláusula-mandato (Súmula 60 do STJ)

Entendimento acerca das notas promissórias: Enunciado 60 da Súmula de jurisprudência dominante do STJ, segundo o qual “é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. 

Em caso de inadimplemento da obrigação contratual, o banco ou a sua coligada, conforme o caso, emitia um título de crédito (nota promissória) em seu próprio favor, no valor da dívida, na condição de mandatária do cliente devedor. Querendo com isso sanar a iliquidez do título. Mas conforme enunciado, é nula essa operação.

 5.3  Cheque

É uma ordem de pagamento à vista emitida contra um banco em razão de fundos que o emitente tem naquela instituição financeira. Além da Lei Uniforme, o cheque é regido pela Lei 7.357/1985.

 5.3.1   Emissão e formalidades

Requisitos essenciais (art. 1º da Lei do Cheque):

  • a expressão cheque (cláusula cambiária);
  • ordem incondicional de pagamento de quantia determinada;
  • nome da instituição financeira contra quem foi emitido (sacado);
  • data do saque (é a data da emissão);
  • lugar do saque ou menção de um lugar junto ao nome do emitente;
  • assinatura do próprio emitente (sacador);

O valor a ser pago deve ser indicado por extenso e em algarismos, prevalece o por extenso em caso de divergência.

 5.3.2   Algumas características importantes do cheque

Após o fim da CPMF, o cheque não tem limite de número de endossos que nele podem ser feitos.

A Lei do Cheque prevê, em seu art. 39, que o banco tem a obrigação legal de verificar a regularidade da cadeia de endossos.

O cheque até R$100,00 (cem reais) podem ser emitidos ao portador (art. 69 da Lei 9.069/1995).

O cheque possui autonomia relativa, permitindo que, em situações excepcionais, o devedor discuta a causa debendi.

É implícita a cláusula à ordem. É possível cessão civil de crédito caso seja posto a cláusula não à ordem, submetendo-se as regras do direito civil.

 5.3.3   Cheque “pré-datado” (ou “pós-datado”)

Uso que popularizou-se no Brasil, emissão de cheque para ser pago em data futura. A apresentação precipitada do cheque configura quebra de acordo, podendo ensejar reparação civil.

O STJ editou a Súmula 370, com o seguinte teor: “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”. Merece destaque também a Súmula 388, que assim dispõe: “a simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”. 

 5.3.4   Modalidades de cheque

Cheque cruzado (arts 44 e 45 da Lei do cheque) são dois traços transversais feitos no anverso do cheque a fim de conferir segurança à liquidação de cheques ao portador. Só pode ser pago a um banco ou a um cliente do banco, mediante crédito em conta.

O cruzamento pode ser feito em branco ou em preto. Neste segundo o cheque só pode ser pago ao banco identificado ou um cliente seu mediante crédito em conta.

O cheque visado (art. 7º da Lei do Cheque) é aquele que o banco confirma a existência de fundos, em cheque não endossado, mediante assinatura no verso do título.

O cheque administrativo (art. 9, III da Lei do Cheque) é o emitido por um banco contra ele mesmo. Ele deve ser necessariamente nominal.

O cheque para ser creditado em conta (art. 46 da Lei do Cheque) é o que o sacado não pode pagar em dinheiro, por expressa proibição colocada no anverso do título pelo próprio emitente. Ou se escreve a expressão “para ser creditado em conta” como na lei, ou menciona o número da conta do beneficiário entre os traços do cruzamento, como na prática.

 5.3.5   Sustação do cheque

O pagamento do cheque pode ser “sustado” pelo emitente nos casos de revogação ou contraordem (art. 35) e oposição (art. 36).

No primeiro caso, só produz efeitos após expirado o prazo de apresentação. No segundo caso pode ocorrer mesmo durante o prazo de apresentação. Não cabe ao banco sacado analisar a relevância das razões invocadas pelo emitente.

O eventual prejudicado pode responsabilizar o emitente se houver abuso de direito, até mesmo responsabilização penal pelo crime de estelionato.

Entendimento do STJ no sentido de quea “pré-datação” do cheque o transformaria em mera garantia de dívida, não sendo possível incriminação pelo estelionato.

 5.3.6   Prazo de apresentação

Trata-se do prazo dentro do qual o emitente deverá levar o cheque para pagamento junto à instituição financeira sacada (art. 33 da Lei do Cheque).

Será de 30 (trinta) dias se o cheque for da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias se de praças diferentes. Prazo contado da emissão.

O prazo de apresentação serve para marcar o período que se tem que observar para conservar o direito de executar os codevedores, por exemplo a pessoa que endossou o cheque a um terceiro é codevedora deste. Vencido o prazo de apresentação, o terceiro poderá executar apenas o emitente do título.

Enunciado 600 da Súmula de jurisprudência dominante do STF: “cabe ação executiva contra o emitente do cheque e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária”. 

Há um caso excepcional em que a perda do prazo de apresentação gera, inclusive, a perda do direito de executar o próprio emitente, e não apenas o codevedor. 

Trata-se da hipótese em que o emitente prova que tinha fundos suficientes durante o prazo de apresentação, mas deixou de tê- los por motivos alheios à sua vontade (art. 47, § 3.°, da Lei do Cheque). 

“§ 3º O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.”

 5.3.7   Prescrição do cheque

O cheque é um título executivo extrajudicial, não honrado seu pagamento pelo emitente, poderá o portador da cártula promover execução contra ele e eventuais codevedores.

O prazo desta ação é de 6 meses, contados do término do prazo de apresentação (art. 59 da Lei do Cheque) e não do prazo da sua efetiva apresentação.

No caso de cheque “pré-datado” apresentado precipitadamente ao banco sacado, considera-se iniciado o prazo de prescrição a partir da data em que o título foi efetivamente levado ao banco para desconto.

Enunciado n° 40 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “O prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao sacado dentro do referido prazo. No caso de cheque pós-datado apresentado antes da data de emissão ao sacado ou da data pactuada com o emitente, o termo inicial é contado da data da primeira apresentação”. 

 5.3.7.1   A cobrança do cheque prescrito

A Lei do Cheque prevê a possibilidade da ação de enriquecimento ilícito ou ação de locupletamento contra o emitente e demais coobrigados.

“Art . 61 A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.”

Esta ação segue o rito ordinário de uma ação de conhecimento devido o título te perdido sua executividade.

O cheque ainda pode ser cobrado mediante ação de cobrança, ultrapassado o prazo de prescrição da ação de locupletamento, desde que comprovado os eu não pagamento.

“Art . 62 Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento.”

Enunciado 299 da Súmula de jurisprudência dominante do STJ: “é admissível ação monitória fundada em cheque prescrito”. Com prazo prescricional de 5 anos, do qual o autor discorda fundamentando que o prazo deve ser o da própria dívida. O STJ ainda entende que na ação monitória de cheque prescrito o credor não precisa demonstrar a causa da emissão do título, cabendo ao devedor fazer prova da eventual inexistência da dívida.

 5.4   Duplicata

Nasceu como instrumento de política fiscal e se consolidou devido o baixo uso da letra de câmbio na praxe comercial nacional.

A característica diferencial entre a letra de cambio e a duplicata é que esta é de aceite obrigatório. Atualmente é regulada por legislação específica, Lei 5.474/1968 e o Decreto-lei 436/1969.

 5.4.1   Causalidade da duplicata

Causal porque só pode ser emitido para documentar determinadas relações jurídicas preestabelecidas pela sua lei de regência: compra e venda mercantil (chamada duplicada mercantil) e contrato de prestação de serviços.

 5.4.2   Características essenciais

É título causal e de modelo vinculado, e também deve conter:

  • a expressão duplicata (clausula cambiária);
  • data da emissão, coincidente com a data da fatura;
  • os números da fatura e da duplicata;
  • a data do vencimento, quando não for à vista;
  • nome e domicílio do vendedor (sacador);
  • nome e domicílio e número da inscrição no cadastro de contribuintes do comprador (sacado);
  • a importância a ser paga, por extenso e em algarismos;
  • o local do pagamento;
  • o local para o aceite do sacado;
  • a assinatura do sacador;

A duplicada só pode ser emitida com dia certo ou à vista. É estruturada como ordem de pagamento e de aceite obrigatório.

 5.4.3   Sistemática de emissão, aceite e cobrança da duplicata

Em prazo não inferior a 30 dias contados da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor (credor) extrairá a fatura para apresentação ao comprador para que este efetue o aceite (que pode ser expresso ou presumido) e a devolva. Caso recuse deve justificar tal ato.

“Art . 7º A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.”

Na execução da duplicata aceita por presunção além da apresentação do título, são necessários o protesto (mesmo que a execução se dirija contra o devedor principal) e o comprovante de entrega das mercadorias .

Entende o STJ que a duplicata sem aceite, caso não consiga demonstrar a entrega das mercadorias, pode embasar ação monitória.

O protesto de duplicata pode ser devido falta de aceite; falta de devolução ou por falta de pagamento. O prazo para realização do protesto é de 30 dias, sob pena de perder o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas.

O foro competente é a praça de pagamento que consta no título ou outra de domicílio do comprador.

O protesto por indicação é realizado quando há a retenção do título por parte do devedor (comprador), o vendedor deverá fornecer ao cartório as indicações do título retiradas da fatura e do Livro de Registro de Duplicatas que é obrigado por lei a manter. Sendo este exceção ao princípio da cartularidade.

A triplicata só deve ser emitida em caso de perda ou extravio da duplicata.

Prescreve em 3 anos a execução da duplicata contra o devedor principal e seus avalistas; em um ano, contra os codevedores e seus avalistas e em um ano entre os codevedores.


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  • Referência
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2014. págs. 400-460.


Bons estudos!


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