domingo, 27 de março de 2016

Falência: Natureza jurídica, princípios, pressupostos e procedimento (Lei 11.101/2005)



1. Conceito

A falência é um instituto aplicável aos devedores empresários, os quais podem ser empresário individual ou sociedade, caracterizando-se como uma execução concursal contra o devedor insolvente.

Significa que todos os credores vão se reunir em um único processo para uma única execução contra o devedor, em obediência ao princípio da par condicio creditorum, na qual deve ser dado tratamento isonômico aos credores.

Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

A falência tem natureza processual ao desenvolver a matéria da execução concursal do devedor insolvente, e material, ao regular os efeitos da decretação da falência, por exemplo, dando ao instituto um caráter híbrido.

2. Princípios

     2.1 Da preservação da empresa e da maximização dos ativos

Presente no art. 75, deixa claro que o objetivo do processo é afastar o devedor das atividades a fim de preservar os bens e otimizar sua utilização, bem como a dos ativos e recursos produtivos, podendo o estabelecimento até ser vendido ou continuar sob a responsabilidade de outro empresário para manter a empresa funcionando e evitar desvalorização do uso da marca, por exemplo.

3. Pressupostos da falência

- Empresário devedor (material subjetivo
- Insolvência jurídica ou presumida do devedor (material objetivo)
- Sentença que decreta a falência (formal)

4. Procedimento

A fase pré-falimentar vai do pedido da falência até a sentença que o decreta. Caso a sentença seja denegatória, o processo é extinto, caso contrário inicia-se o processo falimentar, reuni-se os credores e passa a liquidação do patrimônio do devedor.

     4.1 Sujeito passivo

Pode ser sujeito passivo do pedido de falência apenas a sociedade empresária ou empresário individual, não se aplica a lei às seguintes pessoas enumeradas no art. 2º:
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista; 
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Para instituições financeiras aplica-se a Lei 6.024 de 1974, a qual dispõe sobre a intervenção e a liquidação de instituições financeiras e dá outras providências. Assim com para às seguradoras aplica-se o Decreto-lei 73 de 1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências.

Ocorre que, no art. 197 da LRE traz que "Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997."

     4.2 Sujeito ativo

Previsto no artigo 97 da LRE:

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;
IV – qualquer credor.
Chama-se de autofalência quando o pedido parte do próprio devedor, este tem o dever de requerer quando verificar que não atende aos requisitos para pleitear a recuperação judicial, segundo o determinado no art. 105.

Relacionado ao empresário individual, em caso de falecimento deste, o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro ou o inventariante que tome ciência da situação de insolvência, cabe a eles o pedido de falência.

Qualquer credor pode pedir a falência do devedor, mas sendo credor empresário, este deverá apresentar sua certidão de registro público que comprove a regularidade de sua atividade, nos temos do art. 97, §1º.
 
Registra-se que não é imprescindível que a dívida do credor esteja vencida.

O STJ tem precedentes no sentido de que a Fazenda Pública não tem interesse de agir para pedido de falência nem legitimidade (STJ, REsp 164.389/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 16.08.2004, p. 130 e STJ, REsp 287.824/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 20.02.2006, p. 205). Além disso tem o enunciado 56 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário”.

     4.3 O foro competente para pedido de falência

Previsto no art. 3º da LRE:

Art. 3o É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

Entenda-se estabelecimento como o local onde o devedor concentra maior volume de negócios, e que às vezes não coincide com o local da sede da empresa, nesse sentido já houve precedentes do STJ¹ e edição do Enunciado 465 do CJF: “Para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público”.

Trata-se de competência de natureza absoluta, e após ser distribuído previne o juízo para qualquer outro pedido relativo ao mesmo devedor.

Art. 6º, § 8o A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.

     4.4 Pedido de falência: sistemas de determinação da insolvência

- Estado patrimonial deficitário: é aquele que a insolvência se caracteriza pela insuficiência do ativo do empresário para saldar seu passivo, exige-se a demonstração da insolvência econômica do devedor.

- Cessação de pagamentos: a insolvência caracteriza-se quando o devedor para de efetuar o pagamento de suas dívidas, baseia-se em uma presunção de insolvabilidade pois pode significar apenas uma crise temporária.

- Impontualidade injustificada: a insolvência é considerada quando o devedor não paga, injustificadamente, uma obrigação líquida no seu vencimento. Novamente uma insolvência presumida, pois basta o mero inadimplemento.

- Enumeração legal: a insolvência se caracteriza pela prática de atos previstos na lei de forma taxativa

Dos sistemas acima, a Lei 11.101/2005 manteve o da impontualidade injustificada (I, art. 94) e o da enumeração legal (II, art. 94). 

Art. 94, I - sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
A obrigação de que os títulos protestado ultrapasse quarenta salários mínimo veio como uma tentativa de o legislador desestimular o uso da ação de falência como meio de cobrança de dívidas de pequeno valor como forma de preservação da empresa. Neste passo recebe críticas por não considerar as situações econômicas distintas entre as diversas empresas.

Mas, de acordo com §1º, art. 94, os credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput do art. 94.

Para instruir o processo, como forma de comprovar o inadimplemento do devedor, é necessário a apresentação do título executivo acompanhado dos instrumentos de protesto para fim falimentar. 

Art. 94 II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; 
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; 
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo; 
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; 
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; 
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; 
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

No caso de execução frustrada (II, art. 94) pela tríplice omissão do devedor, o pedido de falência deve ser instruído com a certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução. Neste ponto não há limite para o valor da dívida

Para o pedido de falência pela prática de atos que caracterizem a falência (III, art. 94), cabe ao credor descrever tais atos, juntando-se provas que houver e especificar as que serão produzidas

     4.5 Resposta do devedor

O devedor tem o prazo de dez dias para alegar sua matéria de defesa, as quais estão previstas no art. 96 da LRE:

Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será decretada se o requerido provar: 
I – falsidade de título; 
II – prescrição; 
III – nulidade de obrigação ou de título; 
IV – pagamento da dívida; 
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título; 
VI – vício em protesto ou em seu instrumento; 
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51 desta Lei; 
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
No prazo de resposta para o pedido de falência fundado na impontualidade injustificada e na execução frustrada, o devedor pode efetuar o depósito elisivo em juízo no valor da dívida reclamada no pedido falimentar, devidamente corrigido e acrescido de juros e honorários advocatícios, nos termos do art. 98, §ú, dessa forma, não seja decretada a falência e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.

     4.6 Denegação da falência

No caso de improcedência do pedido de falência cabe ao(s) autor(es) arcar com o ônus da sucumbência. E nos termos do art 101, quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado a indenizar o devedor, isto serve de desestimulo aos pedidos de falência maliciosos.

A denegação também pode advir do depósito elisivo, neste caso, o juiz manda o autor levantar a quantia depositada. Assim, caberá ao devedor arcar com o ônus da sucumbência.

     4.7 A decretação da falência

Ocorre nos casos de pedido de falência julgado procedente e não ter sido efetuado o depósito elisivo. Neste ponto instaura-se o processo de execução concursal do empresário falido o qual só encerra após a realização do ativo, o pagamento dos credores e a apresentação do relatório final.

Art. 156. Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença. 
Está previsto no art. 99 as determinações ou o conteúdo da sentença que decreta a falência.

Importante comentar acerca do termo legal da falência, II, art. 99, pois este é o período no qual os atos eventualmente praticados pelo falido são considerados suspeitos de fraude, assim, suscetíveis de investigação.

Se o pedido é fundado na impontualidade injustificada, o termo legal deve ser fixado considerando a data do primeiro protesto por falta de pagamento, retrotraindo-se por até 90 dias. Exemplificando:

Retrotração de até 90 dias............................25/05/2006
Data primeiro título protestado................... 25/10/2006
Data decretação da sentença......................08/05/2007
Termo legal...................................................25/05/2006 a 08/05/2007

Se o pedido é fundado em atos de falência ou em convolação da recuperação judicial em falência, considera-se a data do pedido ou do requerimento, respectivamente, retrotraindo por até 90 dias.

Quanto a possibilidade de prisão preventiva, VII, art. 99, esta só pode ser decretada se houver prova de prática de crime falimentar (art. 168 a 178) e ainda devem estar presentes os pressupostos que autorizam a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP).

A publicidade da sentença de falência se dá com a comunicação da Junta Comercial para fins de anotação dos atos constitutivos da empresa, ocasionando ao empresário devedor e aos administradores a inabilitação para o exercício da empresa. Ainda deve ser expedido ofícios aos diversos órgãos públicos para obter informações sobre a existência de bens do devedor e por fim, a intimação do Ministério Público e às Fazendas Públicas nas quais o devedor tiver estabelecimento. Devendo ainda ser publicado o conteúdo integral da decisão que decreta a falência e a relação dos credores.

O juiz deve, na própria sentença, designar um administrador judicial, IX, art. 99, , devendo a escolha recair sob profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contados, ou pessoa jurídica especializada (art. 21, LRE), para exercer as atribuições previstas no art. 22 da LRE.

Quando o juiz entender conveniente, pode convocar a assembleia-geral de credores para constituir o Comitê de Credores (XII, art. 99), ou seja, não é obrigatória a formação da assembleia-geral, e na ausência desta o administrador judicial execer suas atribuições (art. 28).

A composição da assembleia-geral está prevista no art. 26 da LRE. A assembleia-geral tem com atribuições deliberar sobre a constituição do Comitê de Credores, a escola de seus membros e sua substituição; a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 e qualquer outra matéria que possa afetar interesses dos credores (II, art. 35).

     4.8 Recurso contra a sentença que julga o pedido de falência

Será oponível o embargo de declaração quando a sentença contiver omissão, obscuridade ou contradição (art. 1.022 CPC).

Ainda, de acordo com o art. 100 da LRE, cabe agravo contra sentença que decreta falência e recurso de apelação contra a que denega a falência.

     4.9 Participação do Ministério Público

A nova legislação falimentar reduziu a atuação do Ministério Público no processo falimentar, agora só haverá atuação quando a lei expressamente determinar, por exemplo os art. 22,§4º e 142, §7º.



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¹ Nos acórdãos STJ, CC 37.736/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 16.08.2004, p. 130, STJ, AgRg no AG 451.614/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 17.02.2003, p. 275 e STJ, CC 27.835/DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 09.04.2001, p. 328

  • Referência:
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Capítulo VII - Direito Falimentar e recuperacional, item 2 in Direito empresarial esquematizado. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2014.


 Bons estudos!


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