sábado, 27 de agosto de 2016

Direito e evolução


1. Juridicidade nas relações humanas

Afirma o autor que o objeto do direito é a relação humana, a qual não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo conteúdo com o passar dos tempos, apresentando um aspecto estático e um aspecto dinâmico.

Exemplifica com a relação de trabalho disciplinada pela Constituição do Império e a regida pela Constituição Federal de 1988, confirmando que a primeira nada estabeleceu quanto ao trabalho já a Constituição de 1988 mostra a profusão das normas jurídicas pertinentes à relação de trabalho. Pondera que com o fenômeno da globalização há uma exigência de uma revisão dos conceitos e das normas editadas em 1943 uma vez que a relação econômica entre capital e trabalho não tem hoje os mesmos contornos de setenta anos atrás.

Sustenta que podem ser feitas análises sociológicas, ética das relações humanas e também uma valoração jurídica das diferentes formas e vários conteúdos de relação humana.

E que a valoração jurídica tem mira na relação humana na medida em que o comportamento de um indivíduo se defronta com os comportamentos intercomplementares de outros indivíduos. Consistindo essa análise jurídica nos aspectos prescritivos.

Explica que a juridicidade é a categoria que faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica, sendo esta intersubjetiva reguada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o conteúdo através dos quais aquela relação é válida e aceita.

Conclui que a relação jurídica tem conteúdos empíricos diferentes de acordo com as situações de interrelacionamento dos seres humanos, com os lugares e com a época. O conteúdo dessa relação pode ser familar, contratual, de trabalho, etc. E a organização dos contextos de relações jurídicas formam o ordenamento jurídico.

2. A evolução do conteúdo ideológico do Direito

Afirma o autor que o Direito é um reflexo do pensamento dominante em cada época e em cada lugar, resultando do que a classe dominante apresenta como o melhor e mais adequado, o mais justo.

Primeiramente, o momento da codificação dos direitos civis é o da tentativa de traduzir um conjunto de normas racionais ... em leis positivas e ainda de valorizar o indivíduo para destruição do poder absoluto dos monarcas... O código Civil foi visto com uma obra perfeita e acabada, mas a força de redução dos indivíduos a átomos componentes de uma sociedade cedeu ao impulso dos interesses da comunidade como um todo, com isso, o confronto entre o interesse do indivíduo e o interesse social pensou-se que era preciso apagar a soberania do direito individual no sentido de que o Direito não pode prender-se imutavelmente às raízes temporais de seu surgimento visto que a regra jurídica passou a figurar como um instrumento de desenvolvimento econômico.

O autor cita uma profunda alteração da atuação dos juízes americanos do século XVIII e do XIX, quando com o passar do tempo passaram a desempenhar um papel central na direção do curso da mudança social, desempenhando uma função tão importante quanto a legislação para garantir e canalizar o desenvolvimento econômico.

Com isso, o autor conclui que a norma jurídica deixa de ser a consagração da perfeição, para se transformar num instrumento para alcançar-se o bem-estar cada vez maior e sempre perfectível do desenvolvimento econômico. Passando-se a verificar uma interação entre o ser, que é o fato econômico, e do dever-ser que é o fenômeno jurídico.

3. O surgimento do Direito Econômico

Explica o autor que em meados do século XIX o capitalismo atomista transformou-se em um capitalismo de grupo fato que acarretou influencias no Direito fazendo surgir um ramo direcionado a reger o novo fato econômico. As empresas procuraram maximizar seus ganhos e os mais hábeis levaram vantagens sobre os mais fracos, o que deu surgimento ao poder econômico privado a rivalizar com o poder estatal.

Em consequencia de o fato econômico se apresentar de forma diferente, o direito se curva sobre ele para moldá-lo às novas instituições ideológicas, e citando G. FARJAT, o autor explica que a concentração capitalista dá origem a todas as grandes mutações das sociedades industriais, sendo a intervenção do Estado uma consequência dessa concentração.

Acerca da profunda alteração nos rumos do Direito - movimento iluminista, efeitos da primeira Guerra Mundial, automatismo do liberalismo -, o autor informa que os instrumentos adotados pelo Direito se mostravam insuficientes para enfrentar os problemas postos pela Revolução Industrial que gerou profunda crise social decorrentes da materialidade da ordem econômica.

Com a destruição da velha ordem pela primeira Guerra Mundial, no plano político, econômico e jurídico, a Europa sentiu a necessidade de uma reconstrução profunda e eficaz, com novos instrumentos mais adaptados à nova realidade. Os Estados Unidos também foram levados a adotar medidas corretivas e incitativas para implantar um novo modelo econômico.

Já no Brasil, o autor explica que o surgimento da questão social levou à convicção da necessidade de profundas mudanças de ordem constitucional, e citando RUY BARBOSA esclarece que essa reforma constitucional era uma resposta aos novos problemas de ordem econômica e social, vendo-se que o Estado tinha que intervir na economia, pois o Estado não podia mais permitir que a crença na ordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos.

Em relação ao desmoronamento econômico após a primeira Grande Guerra na Alemanha, o autor cita pensadores afirmando que a liberdade contratual do direito converteu-se em escravidão contratual na sociedade, por isto a lei tem de intervir novamente para impor certas limitações à liberdade com vistas a restabelecer a liberdade social de contratar. Nesse sentido, o direito do trabalho e o direito econômico surgem como verdadeiros sistemas dessas e outras semelhantes limitações impostas à liberdade contratual.

E finaliza escrevendo que a segunda Guerra Mundial foi um novo marco da evolução do Direito, que as realidades que surgem faz com que o Estado se dedique a dirigir a economia com instrumento jurídico adequado para conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno econômico. Surgindo no plano da metalinguagem uma ciência que tem por conteúdo e finalidade estudar esse conjunto de normas.

4. Conceito

O aspecto formal que identifica e distingue o Direito Econômico dos demais ramos jurídicos é o da direção da política econômica pelo Estado. E o aspecto material do Direito enquanto ciência é o estudo das relações intersubjetivas.

4.1 Direito Econômico e Direito da Economia

Citando MASSIMO SEVERO GIANNINI explica o autor que o Direito da Economia é mais abrangente que o Direito econômico, sendo aquele um "direito aplicável a todas as matérias que entram na noção de economia".

E que, segundo ALAIN-SERGE MESCHERIAKOff, o direito público pode finalmente ser econômico pela especificidade de suas regras. Que o direito da economia se caracteriza pelo seu objeto, e o direito econômico pela especificidade das normas que produz.

4.2 Conceito amplo e restrito

Explica que alguns autores se inclinam para uma concepção ampla, e outros para uma restrita da definição do Direito Econômico. Sendo o conceito estrito uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas colocados pela intervenção do Estado na economia. E o conceito amplo, que uma regra é de Direito Econômico quando rege relações humanas propriamente econômicas.

Quanto à concepção ampla, o aparecimento de disciplinas jurídicas novas está ligado à grande mutação econômica que vivemos, caracterizada pela aplicação de técnicas de massa de produção e de distribuição através da concentração dos meios de produção e de distribuição.

Citando o pensamento de Champaud, em síntese, expressa que, ... o Direito Econômico se apresenta como o direito da organização e do desenvolvimento econômico, que estes se originem do Estado, da iniciativa privada, ou do concerto de um e de outro. E ainda que é uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma civilização ainda em via de formação. Por fim, que é a Empresa que se apresenta como o objeto fundamental de nosso Direito Econômico.

4.3 A concentração de empresas e a intervenção

Explica que o liberalismo favoreceu a igualdade entre as empresas o que cedeu lugar ao desejo de fortalecer a posição de cada empresa instalando-se a ideia de que quanto maior a empresa, maior seria a sua solidez, e isto contribuiu para a concentração.

E continua que foi pelo surgimento da concentração econômica que fez surgir uma nova disciplina das relações, tanto para impedir que essa força sufocasse os outros elementos do mercado, como pela necessidade de preservar a nova feição econômica para impedir que o seu desaparecimento destruísse o próprio mercado.

Destaca os problemas gerados pela concentração econômica com o relacionamento econômico e social dentro do mercado, visto que a concentração fez surgir o poder econômico privado o qual procurou dominar e eliminar as empresas economicamente mais fracas e ainda gerou situação de dominação sobre os trabalhadores detectadas por Marx e Engels no meado do século.

Para solução disto, escreve o autor que ao impulso alcançado pela empresa fazia-se necessário antepor uma outra força, de um lado o poder econômico privado, corporificando os interesses individuais e de grupos, e, de outro, o Estado, personificando o interesse da coletividade, a intervir para aplicar medidas de política econômica direcionadas a buscar uma forma de equilíbrio nas relações humanas em que o elemento econômico e o jurídico se confrontam.

Continua que, o Direito Econômico é o resultado da provocação da concentração capitalista, surgindo como uma solução jurídica para salvar a liberdade de concorrência dentro de um quadro em que predominam os valores sociais.

Conclui citando FARJAT o qual afirmou que "enquanto ramo do direito, o Direito Econômico é um direito da organização da economia cujo cerne é hoje o direito da concorrência com desdobramentos consideráveis, mas incertos, nas sociedades liberais ou em via de liberalização. É também uma disciplina, ou seja um subsistema do direito comparável à "equity", de qualquer forma um "renascimento" do direito, como resposta às "pressões" da economia poíltica".

4.4 O objeto do Direito Econômico

O Direito Econômico será,..., constituído por um corpo orgânico de normas condutoras da interação do Poder Econômico Público e do Poder Econômico Privado e destinado a reger a Política Econômica.

4.5 Política: Política Econômica

Explica o autor que a Política pode ser vista como o governo dos homens e a administração das coisas, e, num plano global, a organização e a administração dos Estados.

Historicamente resgata que Platão se preocupa com a conformação entre a realidade do modelo humano e a realidade das ideias existentes no modelo divino; Aristóteles procura definir a Política como uma capacidade de organização dos próprios homens. E que no pensamento antigo estão delineados os elementos fundamentais constitutivos e definientes da Política: uma comunidade, um fim por ela proposto como um bem a ser alcançado, e um conjunto de ações desenvolvidas para dar homogeneidade aos procedimentos adotados para alcançar aquele fim. configurando-se dois elementos importantes: as instituições e as ideologias.

E explica que a ideologia tem relevância para o estudo da relação entre direito e economia no sentido de implantação de uma politica econômica.

Esclarece que o pensamento do século XIX era voltado para a concepção do fenômeno econômico como um sistema fechado de relações que se realizavam espontaneamente no mercado. E no qual o Estado não poderia jamais interferir pois levaria a uma situação de total desconcerto. Mas, o fracasso do liberalismo de forma atomista e a evolução para a concentração de empresas levou as massas a exigirem a interferência de um intermediário a influir no direcionamento e condição da economia.

Quando se fala em política econômica dá-se ênfase à atuação do estado na condução da economia.

O Estado passou a interessar-se em influir na atividade econômica, e essas medidas de política econômica passaram a interessar ao Direito, surgindo uma nova forma de relação jurídica, sendo o Direito Econômico o novo conjunto normativo que rege as medidas de política econômica encetadas pelo Estado, com também a Ciência que estuda aquele sistema de normas voltadas para a regulação da política econômica.

E conclui lembrando que o art. 174 da Constituição Federal de 1988 atua sobre as políticas econômicas a ser adotadas, que para corrigir os desequilíbrios da distribuição, quer para permitir uma intervenção do Estado para garantir a saúde pública.

5. CARACTERÍSTICAS DO NOVO DIREITO

O instrumental jurídico a ser adotado tem que amoldar-se à realidade a ser normatizada e às suas características históricas.

5.1 O declínio do princípio da generalidade da lei

Assevera o autor que o princípio da generalidade como característica fundamental da lei decorre de sua concepção como concretização dos princípios racionais, através dos quais se pretendeu proteger o cidadão contra o poder absoluto do legislador e contra o arbítrio estatal.

Mas que, a partir do momento em que o Estado se propõe a adotar atitudes concretas de direção do fenômeno econômico, não é mais possível aceitar irrestritamente o princípio da generalidade da lei.

Explica que as normas jurídicas adotadas pelo Estado para conduzir o fenômeno econômico fogem ao parâmetro da generalidade e de abstração adotado pelo liberalismo político e econômico para dotar características de concretude e de  individualidade. Motivo pelo qual os autores falam em declínio das fontes tradicionais do Direito ou declínio da lei, pois o Estado vale-se de portarias, circulares, resoluções para atender e direcionar o fenômeno econômico.

Finaliza que as fontes não governamentais de normas de direção da economia são as que podem ser originadas de contratos entre empresas, das convenções coletivas, dos contratos-tipo e das condições gerais dos contratos de fornecimento.

5.2 A mobilidade

 Esclarece que o Estado conduz atividade econômica caractetizada pela constante evolução, que as políticas econômicas se endereça a fatos concretos e assim não conseguem gerar uma situação de satisfação generalizada, fazendo com que o Estado adote novas medidas.

5.3 Ausência de codificação

O autor explica que o fenômeno econômico por se aderir ao mutável não se coaduna com as normas sistematizadas com intuito de perenizar os princípios e que o corpo de normas se centraliza em torno de metas a serem atingidas por determinadas políticas econômicas: sistema financeiro, sistema habitacional, sistema fundiário.

5.4 A crise da imperatividade

Relativamente à sanção, o autor explica que, o Estado para atingir seus objetivos promocionais, suas metas, para levar as empresas a aderirem ao plano e aos programas por ele propostos, se vale da técnica para garantir o cumprimento da lei, as metas economicas são mais eficazmente alcançadas pela imposição de sanções premiais, estímulos como a concessão de subsídios fiscais.

5.5 Desmoronamento da fronteira: público-privado

Após fazer remontamento histório de como era no liberalismo quando o domínio da atividade econômica era do direito privado, depois à necessidade de o Estado ditar normas direcionadoras da atividade economica, o pensamento de ADAM SMITH de que o bem-estar dos indivíduos levaria ao bem-estar da coletividade e que no direito atual afirma que o bem-estar da coletividade, sem afastar a colaboração individual leva a concretização do bem-estar dos indivíduos integrado na coletividade. Conclui que esse entrelaçar dos interesses promovido pelo Estado veio fazer com que desmoronassem as fronteiras entre o público e o privado.

E mais a frente citando outros autores afirma que a distinção de campos de visualização do direito sendo destruída, o Direito Econômico realiza uma síntese ente o público e o privado, se acentua como um direito misto.

5.6 Princípio da economicidade

O autor diferencia que a finalidade de o Estado dirigir e promover a atividade econômica difere da ação do indivíduo pois este procura obter o maior lucro possível, enquanto o Estado busca vantagem coletiva e consequentemente individual.

E questiona se seria melhor a maior quantidade de bens ou a maior qualidade de vida. Em seguida aborda o eudonismo de Epicuro - o ser humano deve procurar sempre o maior prazer possível -, Benhtam e o interesse no qual todo ser humano é orientado pelo interesse; Stuart Mill que coloca o problema dos interesses e de seu fomento pelo Estado, pois dentro da concepção liberal cabe ao indivíduo formular uma opinião exata e mais inteligente de seus próprios interesses e como fomentá-los.

Cita que R. STAMMLER conceitou o princípio da economicidade mostrando que o homem procura atingir a satisfação de suas necessidades através da menor quantidade possível de esforço e sacrifício. E que este princípio deve acompanhar o Estado.

E conclui que o princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado ao regular a atividade econômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvidos.

5.7 Princípio da eficiência

Explica o autor que o Estado deve pautar-se nesse princípio e observar três planos, aquele em que ele próprio exerce uma atividade econômica, aquele em que adota uma postura normativa da atividade econômica e aquele em que estimula ou favorece ou planeja a atividade econômica.

Citando POSNER esclarece que a eficiência é a utilização dos recursos econômicos de modo que o valor, ou seja, a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização da diferença entre os custos e vantagens.

E finaliza escrevendo que a partir da Constituição de 1988, no art. 37, impõe obediência também ao princípio da eficiência.

5.8 Caráter concreto

Esclarece que o fenômeno econômico está visceralmente vinculado historicamente, que a economia é ciência da escolha racional num mundo em que os recursos são limitados em relação as necessidades humanas, as quais são determinadas qualitativamente e quantitativamente pelo contexto histórico e geográfico. Por isto as normas também aderem de forma concreta ao tempo e lugar, a exemplo das empresas e do contrato que assumiram caráter concreto.

5.9 As perspectivas microeconômicas e macroeconômica

Explica que as relações jurídicas de caráter microeconômico, suas consequencias jurídicas não ultrapassam o plano interindividual existente entre aquelas pessoas ou grupo de pessoas.

E ainda que a empresa será pertinente para o Direito Econômico em nível de preservação da concorrência, em nível de evitarem-se abusos de posição dominante ou de fixação arbitrária dos lucros. Em síntese, afirma que quando as relações sofrem alguma intervenção do Estado seja no âmbito da relação locatícia, ou consumerista passa a ser uma relação de repercussão macroeconômica.

Sustenta que a norma juridica deve criar o embasamento para o pleno desenvolvimento dos fatores da atividade econômica, podendo influir e direcionar a produção a circulação, a repartição e o consumo, sempre adequando aos modelos micro e macroeconômicos.

E ainda que as normas de Direito Econômico tem como objetivo principal o direcionamento da macroeconomia com as decisões que miram impor direcionamentos a partir dos fenômenos e processos econômicos agregados. As normas podem ser vistas sob aspecto microjurídicos - entre indivíduos ou grupo de indivíduos-, ou macrojurídicas as quais transcendem os limites do interesse individual afetando o conjunto de interesses nacionais. Exemplifica com um relação entre comprador e vendedor a qual pertence ao domínio microeconômico e entre fornecedor e consumidor, macroeconômico.

  • REFERÊNCIA
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito e evolução. In: FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Cap. 1. p. 16-34.

Bons estudos!
 

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