domingo, 24 de dezembro de 2017

Aplicação da lei penal

1 LEI PENAL NO TEMPO


1.1 Introdução


O direito de punir em abstrato do Estado nasce com o advento da lei penal. Nessa relação jurídica o Estado figura como sujeito ativo, todas as pessoas penalmente imputáveis, como sujeitos passivos, e o objeto desta relação cuida-se de uma abstenção de conduta.

Uma lei somente entra em vigor quando se esvai seu período de vacância, ou seja, o intervalo de tempo entre a publicação e a entrada em vigor. Em alguns casos a lei entra em vigor na data da publicação, mas isto é pouco recomendável em matéria de leis penais. A regra geral contida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é que uma lei entra em vigor em quarenta e cinco dias contados de sua publicação, no território nacional, e em três meses, no âmbito internacional.

Ressalta-se que a contagem de prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

1.2 É possível aplicar lei penal antes de consumada sua vacância? Não


2. CONFLITO DE LEIS PENAIS NO TEMPO



2.1 Introdução


O conflito de leis penais no tempo se dá quando duas ou mais leis penais, que tratam do mesmo assunto de modo distinto, sucedem-se.

A atividade ocorre quando se aplica a lei a fatos ocorridos durante sua vigência. Esta é a regra.

extratividade ocorre quando uma lei for aplicada fora do seu período de vigência, e se divide em: 

     - retroatividade: aplicação da lei a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor
     - ultra-atividade: aplicação de uma lei depois de sua revogação.

Exemplificando: uma lei penal benéfica aplicar-se-á a fatos anteriores à sua entrada em vigor (retroatividade benéfica). Da mesma forma, se uma lei vigorava quando do cometimento do crime, mas for revogada por outra mais severa antes do julgamento, o magistrado terá de aplicar a lei revogada, posto que sucedida por lei mais rigorosa (ultra-atividade benéfica).

2.2 Novatio legis in mellius e abolitio criminis


A lei penal benéfica se biparte em: novatio legis in mellius e abolitio crimins. Ambas retroagirão, posto que benéficas, e aplicar-se-ão a fatos ocorridos sob sua vigência, quando revogadas por leis mais gravosas.

Por novatio legis in mellius entende-se a nova lei penal que, mantendo a incriminação, dá ao fato tratamento mais brando. Exemplo: redução da pena, concessão de benefício antes proibido, etc.

Abolitio criminis significa a nova lei penal que descriminaliza condutas, é prevista como causa extintiva da punibilidade. Exemplo: Lei 11.106/2005, revogou os artigos 217 e 240 do CP, tornado atípicos dois crimes, o de sedução e adultério. Se ocorrida antes do trânsito em julgado, ficam impedidos todos os possíveis efeitos de uma condenação penal. Já se ocorrer depois, extinguir-se-ão todos os efeitos penais da condenação, mantendo-se os efeitos extrapenais.

2.3 Novatio legis in pejus e novatio legis incriminadora


A lei penal gravosa divide-se em: novatio legis in pejus e novatio legis incriminadora. Na primeira, a lei dá ao fato tratamento mais rigoroso (exemplo: aumento de pena); já na novatio legis incriminadora, a lei passa a definir o fato como penalmente ilícito (exemplo: lei 10.224/2001 a qual criminalizou o assédio).

2.4 Combinação de leis penais


Dá-se quando o intérprete, verificando que uma nova lei favorece o agente num aspecto e o prejudica noutro, apenas a aplica no aspecto benéfico, combinando-a com a regra branda oriunda de lei anterior.



O tema encontra-se pacificado no âmbito do STJ e do STF, no sentido da impossibilidade da referida combinação, "consolidou-se no STF e STJ o entendimento de que é inviável a conjugação de leis penais benéficas, dado que tal implicaria espécie de criação de terceira norma, com a violação do primado da separação dos poderes" (STJ, HC 114.762/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 16.06.2011, DJe 28.06.2011).


2.5 Sucessão de leis penais



Ocorre quando o mesmo fato é regido por diversas leis penais, as quais se sucedem no tempo, regulando-o de maneira distinta. Deve se adotar como regra o critério da atividade da lei penal e, somente quando se tratar de lei benéfica, sua extratividade.

2.6 Medidas de segurança


As medidas de segurança constituem espécies do gênero sanção penal, são reservadas aos agentes inimputáveis ou semi-imputáveis em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CP, art. 26).

Podem ser divididas em medida de segurança detentiva (internação em hospital de custódia e tratamento) e medida de segurança restritiva (tratamento ambulatorial).

Os princípios constitucionais relativos à pena, dentre os quais a retroatividade benéfica, devem ser estendidos às medidas de seguranças.

2.7 Crime permanente e crime continuado


Se durante a permanência ou a continuidade delitiva entrar em vigor nova lei, ainda que mais gravosa, ela se aplica a todo o evento.

É o que preconiza a súmula 711 do STF - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou permanência.


3. LEI EXCEPCIONAL E LEI TEMPORÁRIA (CP, ART. 3º)


Excepcional é a lei elaborada para incidir sobre fatos havidos somente durante determinadas circunstâncias excepcionais. Temporária é aquela elaborada com o escopo de incidir sobre fatos ocorridos apenas durante certo período de tempo.

As leis excepcionais ou temporárias são ultrativas pois produzem efeitos mesmo após o término de sua vigência. Mas ocorre que, com o passar da situação excepcional ou do período de tempo estipulado na lei, ela continua em vigor, embora inapta a reger novas situações.

4. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL E LEI PENAL EM BRANCO


A lei penal em branco é a que possui preceito primário incompleto, de modo que necessita de outra norma jurídica para se definir seu alcance.

O complemento da lei penal em branco pode estar em norma de hierarquia diferente da lei penal, por isto chamada de lei penal em branco heterogênea ou em sentido estrito; ou em norma da mesma hierarquia, chamada de lei penal em branco homogênea ou sem sentido amplo.

O complemento integra a norma, dela constituindo parte fundamental e indispensável. Por esse motivo, sua revogação resultará na descriminalização da conduta.

5. TEMPO DO CRIME


A aplicação da lei penal no tempo é determinada pelo momento do crime, ainda que outro seja o momento do resultado (art. 4º, CP). É a teoria da atividade.

Dessa forma, se o agente cometer um crime cuja conduta ocorra antes da entrada em vigor de uma nova lei mais grave, ainda que o resultado se verifique depois de exaurido o período de vacância da novatio legis in pejus, esta não será aplicável ao delito.

Uma questão relevante a partir do artigo 4º é a da delimitação da responsabilidade penal, pois torna-se possível fixar o exato momento em que o agente passará a responder criminalmente por seus atos.

Em se tratando de crime permanente, mesmo tendo a ação ou omissão se iniciado antes da maioridade penal, se o sujeito a prolongou conscientemente no período de sua imputabilidade penal, terá aplicação o CP.

Com relação ao crime continuado, somente receberão a incidência do Código Penal os fatos cometidos depois que o agente completar 18 anos de idade, antes disso a conduta é considerada ato infracional.

A regra em estudo não se aplica para efeito de início da contagem do prazo prescricional, pois, o artigo 111 do Código Penal estabeleceu termos iniciais específicos para a contagem da prescrição da pretensão punitiva. São eles: o dia em que o crime se consumou; no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido; e nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

6. LEI PENAL NO ESPAÇO


6.1 Territorialidade



De acordo com o art. 5º, caput, do CP, “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.

Diz-se que o Brasil acolheu o princípio da territorialidade relativa, temperada ou mitigada.

6.1.1 Território nacional


Por território nacional entende-se todo o espaço em que o Brasil exerce sua soberania:

- limites compreendidos pelas fronteiras nacionais;
- mar territorial brasileiro;
- espaço aéreo subjacente ao território físico e ao mar territorial nacional
- aeronaves e embarcações: brasileiras privadas, salvo em mar territorial estrangeiro ou sobrevoando território estrangeiro; brasileiras públicas, onde quer que se encontrem; e estrangeiras privadas, no mar territorial brasileiro.

6.2 Lugar do crime


Definido no artigo 6º, adotando a teoria da ubiquidade ou mista, segundo a qual o crime se considera praticado tanto no lugar da conduta quanto naquele em que se produziu ou deveria produzir o resultado.

A preocupação do legislador foi estabelecer quais crimes podem ser considerados como ocorridos no Brasil, consequentemente, quais delitos se aplica a lei penal brasileira.

6.3 Foro competente


Observa-se as regras do Código de Processo Penal, artigos 70 a 91.

Como regra, o foro competente dependerá do lugar da infração. Sendo impossível encontrar o lugar da infração, a competência territorial levará em conta o domicílio ou residência do réu.

De acordo com o art. 70, caput, 1ª parte, do CPP, será competente para processar e julgar o fato o juízo do lugar onde a infração se tiver consumado (teoria do resultado).

Nos crimes permanentes cuja consumação se estendeu pelo território de mais de uma comarca, a competência será firmada pela prevenção.

Nos delitos perpetrados em local incerto na divisa de duas ou mais comarcas ou crime praticado em local certo, havendo incerteza quanto ao fato de o lugar pertencer a uma ou outra comarca, esta se resolve com base na prevenção.

No crime tentado, o foro competente é o do local do último ato de execução (CPP, art. 70,caput, 2ª parte).

Quando a execução do crime se iniciou no território nacional e a consumação ocorreu no exterior (crimes a distância), será competente o foro do local em que se deu o último ato de execução.

Nos crimes cometidos integralmente no exterior (extraterritorialidade da lei penal brasileira), será competente o foro da Capital do Estado onde por último tenha o réu tido domicílio ou residência, ou, caso não tenha sido domiciliado ou não tenha residido no Brasil, a Capital da República (CPP, art. 88).


6.4 Extraterritorialidade da lei penal brasileira


É o fenômeno pela qual a lei penal brasileira se aplica a fatos ocorridos fora do território nacional. Entende-se que a Justiça competente nesses casos é a Federal.

Existem a extraterritorialidade incondicionada, pela qual a lei se aplica aos fatos praticados no exterior, independentemente de qualquer condição; e a extraterritorialidade condicionada, a qual depende do concurso de diversas condições.

6.4.1 Princípios aplicáveis


a) Princípio da universalidade da justiça penal ou cosmopolita

Refere-se a hipóteses em que a gravidade do crime ou a importância do bem jurídico violado justificam a punição do fato, independentemente do local em que foi praticado e da nacionalidade do agente.


b) Princípio real, da proteção ou da defesa

Justifica a aplicação da lei penal brasileira sempre que no exterior se der a ofensa a um bem jurídico nacional de origem pública.

c) Princípio da personalidade ou nacionalidade

Como cada país tem interesse em punir seus nacionais, a lei pátria se aplica aos brasileiros, em qualquer lugar em que o crime tenha sido praticado.

O Brasil acolheu tanto o princípio da nacionalidade ativa, que se refere aos delitos praticados por brasileiro no exterior, quanto ànacionalidade passiva, relativa àqueles fatos praticados por estrangeiro contra brasileiro, fora do nosso país (CP, art. 7º, § 3º).

d) Princípio da representação ou da bandeira

Cuida-se de levar em conta, para efeito de aplicação da lei penal brasileira, a bandeira da embarcação ou aeronave no interior da qual o fato foi praticado.

6.4.2 Extraterritorialidade incondicionada


Ocorre nas seguintes hipóteses:


- contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
- contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
- contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
- de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;


Em tais situações, é possível, em tese, que o agente responda por dois processos pelo mesmo crime, um no exterior, outro no Brasil, sobrevindo duas condenações. Se isso ocorrer, aplicar-se-á o art. 8º, que se funda no princípio do non bis in idem.

Sendo assim, a pena cumprida no estrangeiro: a) atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas; ou b) nela é computada, quando idênticas (detração).

6.4.3 Extraterritorialidade condicionada


Ocorre nas seguintes infrações:


- crimes em que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
- crimes praticados por brasileiro;
- crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados


Nesses casos, nossa lei penal exige o concurso das seguintes condições:

1) entrada do agente no território nacional (condição de procedibilidade);
2) ser o fato punível também no país em que cometido;
3) estar o crime entre aqueles a que a lei brasileira admite a extradição;
4) não ter sido o agente absolvido ou não ter cumprido pena no estrangeiro;
5) não ter sido perdoado e não se tiver extinguido sua punibilidade, segundo a lei mais favorável (condições objetivas de punibilidade).

7. EXTRADIÇÃO


Consiste na entrega de uma pessoa que cometeu uma infração penal, por parte do Estado em cujo território se encontre, a outro que a solicita.

A extradição pode ser ativa ou passiva. A primeira o Brasil faz um requerimento a outro país, visando a entrega de um nacional; já na passiva, quando alguma nação requer ao Brasil a entrega do infrator.


Nossa Constituição Federal disciplina o assunto no art. 5º, LI e LII. De acordo com o primeiro deles: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. O outro dispõe que: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

8. EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA



O art. 9º do CP estabelece as hipóteses em que a sentença penal estrangeira precisa ser homologada pelo STJ, para que produza efeitos no Brasil. São elas:

- para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituição e outros efeitos civis;
- para sujeitá-lo a uma medida de segurança.

A sentença estrangeira não depende de homologação para produzir reincidência, impedir a obtenção de sursis ou para aumentar o período para concessão de livramento condicional.

9. CONTAGEM DE PRAZOS PENAIS



Consideram-se prazos penais todos aqueles capazes de interferir, diretamente ou indiretamente, no exercício do ius puniendi estatal.

No que tange aos prazos penais, inclui-se em sua contagem o termo inicial, excluindo-se o final. 


O art. 10 do CP dispõe, ainda, que os prazos penais devem ser contados de acordo com o calendário comum. Significa, destarte, que os meses e anos possuirão tantos dias quantos indicados no calendário.

10. FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS NA PENA



O art. 11 do CP determina que, no cálculo das penas privativas de liberdade e das restritivas de direitos, desprezam-se as frações de dia.

O dispositivo antes apontado determina, ainda, que no tocante à pena pecuniária, devem ser desconsiderados os centavos.

11. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE


O Título I da Parte Geral do CP encerra-se com a advertência de que as regras gerais do Código aplicam-se a todas as leis penais especiais, quando estas não dispuserem em sentido contrário.



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Fonte: Resumo do capítulo 9 da obra Estefam, André. Direito penal esquematizado: parte geral/André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves. São Paulo : Saraiva, 2012.


Bons estudos!



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