terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Princípios fundamentais de Direito Penal


1. O princípio da legalidade ou da reserva legal e suas funções (art. 1º, CP e art. 5º, XXXIX, CF)

De acordo com o texto do próprio Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Trata­-se do mais basilar e fundamental dos princípios penais e garante a segurança jurídica, evitando arbítrios e abusos, legitimando o jus puniendi do Estado em matéria penal somente mediante existência de norma expressa, escrita e prévia (nullun crimem, nulla poena sine lege praevia, scripta et stricta).

A partir desse princípio surge uma primeira função da legalidade, a de proibir a retroatividade da lei penal incriminadora, consubstanciada no princípio da irretroatividade previsto no artigo 5º, XL, da CF, primeira parte - a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Da mesma forma, o princípio da legalidade não proíbe a retroatividade de lei posterior quando esta vier para conceder direitos ou benefícios, surgindo assim mais um princípio decorrente da legalidade, o conhecido princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, previsto expressamente no artigo 2º, §único do CP - a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplicar-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatório transitada em julgado e artigo 5º, XL, CF, segunda parte.

A abolitio criminis é o exemplo mais sólido e evidente de retroatividade de lei mais benéfica que pode existir. Seu principal efeito será o de retroagir alcançando todos os fatos praticados anteriormente, ainda que tenha já ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória. Será como se o fato jamais houvesse existido para o Direito Penal pois todos os efeitos penais da condenação deixarão de existir. É causa de extinção da punibilidade (artigo 107, III, CP) mas que não tem efeitos civis pois permanece a obrigação de indenizar pelos danos materiais ou morais decorrentes do fato.

Uma segunda função da legalidade é a de proibir incriminações com base em costumes e na analogia, segundo a qual não se pode incriminar um fato com base em um costume social ou por razões de conveniência social, mas sim deve haver expressa previsão legal por meio de lei em sentido estrito exclusivamente produzida no âmbito federal.

Dessa forma, não se admite analogia in malan partem, porém deve-se aplicar sempre a analogia in bonan partem para beneficiar o agente.

Baseado nessa premissa, surge o terceiro princípio decorrente da legalidade, o princípio da taxatividade. O rol de condutas definidas como crime no texto da lei será sempre taxativo, já que não há crime sem que o fato esteja previsto e não se admite a analogia para ampliar o alcance incriminador da norma.

Mais um função do princípio da legalidade se dá a partir do termo "defina" presente no texto do artigo 1º do CP, é a de proibir incriminações vagas, abertas ou indeterminadas. Quanto mais precisa for a fórmula legal incriminadora maior segurança jurídica o tipo penal oferecerá, diminuindo o subjetivismo do aplicador da lei.

A partir disto surge o princípio da determinação, segundo o qual o legislador deve ser o mais preciso e determinado no momento de criar um tipo penal incriminador, especificando ao máximo aquilo que pretende abranger com a norma penal.

2. Princípio da intervenção mínima

O Direito Penal deve intervir o mínimo possível nas relações sociais, onde seja estritamente necessário para garantir a segurança jurídica e a tutela de determinado bem jurídico.

É um princípio dirigido ao legislador e que serve para regular a atividade legislativa, evitando que se vulgarize o conceito de crime e que se reduza a aplicação de penas.

Do princípio da intervenção mínima surgem dois princípios decorrente, o princípio da fragmentariedade e o princípio da subsidiariedade.

Ao se tutelar um bem específico deve-se criminalizar apenas os fragmentos mais importantes e necessários deste bem para garantia do bem-estar social, pois a intervenção deve ser mínima. Por exemplo, o dano ao patrimônio feito de forma dolosa é objeto de criminalização, mas se feito de forma culposa, não. Neste caso é objeto de proteção do Direito Civil.

Além disso, o Direito Penal funciona de forma subsidiária aos demais ramos do direito, sendo a última alternativa (ultima ratio) do legislador para tutelar bens jurídicos, garantir a segurança jurídica e proteger a ordem pública. Só deve ser chamado a atuar quando os demais ramos do direito forem insuficientes para a proteção do bem jurídico em questão.

3. Princípio da humanidade ou da dignidade da pessoa humana

O Direito Penal deve respeitar, sempre e acima de tudo, os direitos humanos fundamentais, garantindo e preservando a dignidade da pessoa humana.

Este princípio informa e rege o Direito Penal em todas as suas esferas, desde a criação das leis até a determinação, aplicação e execução das penas, tendo como principal fonte de referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos Fundamentais.

Sua principal função é a de proibir qualquer tipo de sanção que atente contra a dignidade da pessoa humana e que viole os Direitos Humanos Fundamentais. Sendo absolutamente proibidas penas como as de morte, tortura, cruéis, perpétuas, castigos corporais, banimento, trabalhos forçados etc.

4. Princípio da lesividade ou ofensividade

Este princípio refere-se diretamente à lesão de bens jurídicos, determinando que para haver crime é preciso que haja um bem jurídico alheio tutelado e suscetível de ser lesionado, e que esta lesão deve ser significante.

Como funções decorrentes desse princípio temos a de proibir a incriminação de fatos internos (sentimentos, emoções, vontades, desejos) e de condutas que não ultrapassem a esfera do próprio agente, ou seja, que não afetem bem jurídico de terceiro (autolesão).

Os atos preparatórios não são puníveis em Direito Penal, pois não atingem a esfera alheia e não chegam a afetar bens jurídicos de terceiros. Contudo, o legislador criou tipos penais para incriminar meras condutas preparatórias por considerá-las por si sós perigosas e violadoras de bens jurídicos. É o caso do crime de formação de quadrilha (art. 288, CP) e o crime do artigo 291, CP, "fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda".

Um princípio decorrente do conceito de lesividade é o da insignificância ou da bagatela, segundo o qual as lesões a bens jurídicos alheios devem ser significantes, relevantes para que se considere que houve crime. Lesões ínfimas, mínimas e pequenas, mesmo produzidas dolosamente, não são suficientes para materializar a infração penal, portanto não se deve considerar o fato como crime.

É importante lembrar que a ausência de crime devido à insignificância da lesão ao bem jurídico atingido não exime a responsabilidade civil do agente pelos danos materiais ou morais provenientes da conduta praticada.

O STF vem adotando alguns critérios para delimitação da aplicação ou não do princípio da insignificância:

- mínima ofensividade da conduta do agente;
- ausência de periculosidade social da ação;
- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente;
- inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado.

5. Princípio da culpabilidade

5.1 A culpabilidade como princípio fundamental de direito penal

Não há crime sem culpa. Trata-se do fundamento de toda a teoria finalista da ação adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

5.2 A culpabilidade como elemento estrutural do conceito de crime

O conceito de crime possui três elementos integrantes: a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Esta última significa a reprovabilidade pessoal da conduta praticada.

5.3 A culpabilidade como fundamento e limite da pena

A pena deve se fundamentar e ser limitada de acordo com o grau de reprovação (culpabilidade). O conceito de culpabilidade se relaciona diretamente com a teoria da Pena, sendo o primeiro e mais importante fator para determinação da sanção penal concreta (art. 59, CP).

Esse princípio se origina do brocado latino nullum crimem, nulla poena sine culpa, ou seja, não há crime ou pena sem culpa.

A culpa referida por este princípio é a em sentido lato, que pode ser entendido como um sinônimo de responsabilidade, assim, uma conduta só será tratada como crime se quem a praticou tiver agido com "culpa".

Porém, o conceito amplo de "culpa" (lato sensu) deve ser dividido em dois elementos, o dolo e a culpa (stricto sensu).

Portanto, de acordo com o princípio da culpabilidade, todo aquele que tiver atuado com intenção (dolo) de produzir um resultado (lesão a bem jurídico), ou faltando com cuidado (culpa stricto sensu) devido em relação à sua ocorrência, poderá ser considerado culpado (responsável) pelo fato, respondendo pelo crime.

O princípio da culpabilidade evita punições injustas baseadas somente em um resultado lesivo, pois somente atuando com dolo ou culpa é que alguém pode ser responsabilizado por um crime e merecer punição, impedindo­-se assim, de forma absoluta, a responsabilidade penal objetiva, sem culpa (sentido amplo).

6. O princípio da pessoalidade ou da transcendência da pena (art. 5º, XLV, CF)

Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de repara o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos temos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido (art. 5º, XLV, CF).

Ninguém poderá cumprir uma pena ou mesmo fração dela no lugar daquele que cometeu o crime.

Desta forma, as sanções penais e as medidas de segurança são personalíssimas, a ocorrência da morte do agente é considerada causa de extinção da punibilidade (art. 107, I, CP).

Quanto à multa criminal, esta possui natureza jurídica de legítima pena, oriunda da prática do crime, estando, portanto, também vinculada ao princípio pena da intranscendência das penas.

O princípio da pessoalidade, ao afirmar que a sanção é individual e intransferível, abre caminho para o surgimento de um princípio decorrente vinculando à noção de que a pena deve atender a ideia de individualidade e exclusividade também no momento do seu cálculo e execução, dando origem ao princípio da individualização da pena.

Previsto no artigo 5º, XLVI da CF, o princípio da individualização da pena afirma que a pena criminal, mais que intransferível, é sempre individual, devendo ser calculada para cada agente separadamente, de acordo com o grau de reprovação que este possua, não importando se dois ou mais agentes realizaram o mesmo fato em circunstâncias idênticas.

Interfere também durante a execução, pois cada condenado deverá receber da justiça tratamento individual em relação a poder ou não gozar de benefícios como a progressão de regimes, o livramento condicional e a remição da pena por meio do trabalho prisional.

7. Princípio da adequação social da conduta

O princípio da adequação social não pode ser visto como um princípio por meio do qual seja possível deixar de se aplicar uma norma penal expressa, pois violaria o princípio da legalidade e estaria desrespeitando a própria tipicidade penal (aspecto material), porém pode servir como fato gerador de uma abolitio criminis, em que por via de outra lei um crime deixará de fazer parte do ordenamento jurídico (aspecto formal).

Além disso, atrelado à ideia de intervenção mínima e de lesividade, o princípio da adequação social (aspecto formal positivo) pode e deve influenciar a escolha do legislador a respeito de quais condutas serão previstas como crime pela lei penal, excluindo do processo de tipificação aquelas que sejam consideradas socialmente adequadas.

8. As contravenções penais sob a ótica dos princípios fundamentais

As contravenções penais são condutas de menor gravidade que o legislador achou por bem não considerar crime. Estão previstas no Decreto-lei 3.688/41.

No que tange à estrutura, as contravenções possuem uma descrição típica formada de elementos objetivos e subjetivos e vinculam-se aos conceitos de ilicitude e de culpabilidade da mesma forma que o conceito de crime. A diferença está nas espécies e quantidades de penas que lhes são atribuídas.

Inúmeras condutas previstas como contravenções poderiam deixar de ser consideradas infrações penais devido ao fato de terem passado a ser condutas socialmente toleradas e aceitas (princípio da adequação social), ou porque o grau de lesividade destas condutas é insignificante sob a ótica moderna (princípio da insignificância), ou ainda pelo fato de que determinadas lesões poderiam ser facilmente tratadas por outros ramos do direito (princípio da subsidiariedade), sem mais haver real necessidade de serem objeto da tutela penal (princípio da intervenção mínima).


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Fonte: Resumo do capítulo 1 da obra Rodrigues, Cristiano Soares. Direito penal: parte geral I. São Paulo : Saraiva, 2012. – (Coleção saberes do direito ; 4)

Bons estudos!


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