terça-feira, 3 de setembro de 2013

Hermenêutica Jurídica - Aula 07 - Hermenêutica sacra: Escola protestante - Matias Flacius

Matias Flacius

     Matias Flacius foi o primeiro teórico da hermenêutica do protestantismo. Criou o sistema hermenêutico para servir de auxilio à interpretação do sola scriptura criada por Martin Lutero. Tentou fazer a conciliação entre Martin Lutero e Santo Agostinho, no intuíto de criar um sistema de interpretação que seja anexo ao texto.

     A ideia da exegese de Martin Lutero era a de usar o próprio texto para interpretar o texto.

     Matias Flacius tentou criar um sistema anexo que na Idade Média confundiram com o método dos glosadores. Realmente eram comentários ao texto, um texto adjacente. Um texto interpretação na forma de um dicionário, o qual Matias chamou de 'Clavis'. Para interpretação de um texto precisaria de um outro texto auxiliar. 

     A ideia de Matias Flacius foi a de fornecer uma série de chaves de interpretação para se ter o sentido correto do texto. Essa interpretação tentava unir a interpretação católica com a protestante.

     Matias percebeu que toda interpretação exegética em algum tempo não dava mais resultado.

     O ponto mais importante foi a questão do escopo, que demonstra a intencionalidade do texto. Para um 'Clavis' ser criado não se poderia ultrapassar o texto, e contrariamente, se não ultrapassasse o texto não teria como resolver o problema da interpretação das passagens obscuras. Agostinho fugia totalmente do texto.

     Matias Flacius tentou criar um interpretação que tentasse manter a incolumidade da intenção original do texto. Ele percebeu que a interpretação da sola scriptura não tinha como resolver certas passagens, e que deveria propor uma outra forma de interpretação. A grande característica dos protestantes é o modo de interpretação da bíblia, então como conciliar uma interpretação literal com alegórica?

     A intencionalidade do texto é encontrada a partir da interpretação completa do leitura assim, se o sujeito precipitar-se em interpretar quando encontrar um palavra obscura, correrá o risco de perder a explicação que possa estar nas outras partes do texto, mais a frente. Essa é a sistematização do texto. A interpretação do Direito é assim, deve-se atentar para o texto completo. então a chave da interpretação é encontrada no texto integral.

     Para cada equivoco da bíblia Martin criou um remédio.

Racionalismo e Reforma

     Depois da Reforma Protestante surge a modernidade, mas depende da perspectiva, para uns a modernidade começou com o trânsito do feudalismo para o capitalismo. Para a hermenêutica, a modernidade surge com a transição da hermenêutica sacra a partir da reforma protestante. 

     Na Idade Média, a ciência era escrita em latim, quando Martin Lutero fez a tradução da bíblia para o alemão, influenciou a escrita de todos os textos. Ocorreu que cada cientista começou a escrever em sua língua nativa. Antes tinha que saber o latim culto para poder escrever. Era muito comum o analfabetismo intelectual pois as pessoas não tinham acesso ao texto.

     A Contra-reforma traz argumentos de que a Reforma Protestante acabou com a ciência. O problema aumenta com a difusão da escrita impressa. A difusão do conhecimento tornou-se mais ampla, e as pessoas passaram a ter acesso ao conhecimento.

     A hermenêutica passa a ser uma questão de necessidade para poder conhecer os textos.  Assim ela perde o caráter existencial, religioso para se transformar em uma técnica. O racionalismo transforma a hermenêutica em uma técnica.

A relação entre racionalismo e hermenêutica


     A hermenêutica torna-se uma técnica (controlar a técnica -> controla a linguagem), uma instrumentalização a partir do racionalismo. Ela ganha um caráter prático, objetivo. A grande questão é tentar retirar do domínio hermenêutico todos os elementos de ordem subjetiva. E a partir desse caráter prático instrumental, encontrar uma teoria universal da hermenêutica.

     A ciência instrumental é orientada para resolução de problemas práticos, ou seja, não é especulativa. É por causa da instrumentalização da hermenêutica que surge a hermenêutica jurídica.

     O intuito dos hermenêuticos foi de criar um caráter universal. A hermenêutica se constituiu de uma técnica que é a comunicação (expressividade), fenômeno universal, a partir dos estudos da linguagem, fenômeno de comunicação humana, a hermenêutica passa a engrandecer.

     Antes, ela era uma técnica para resolver textos bíblicos, sagrados, era mais uma ação que um resultado.

    A hermenêutica precisou desligar-se da teologia e da hermenêutica sacra para descobrir o mundo com a própria visão. A hermenêutica amadureceu o estudo sobre a linguagem quando se desvinculou dos textos sagrados. Só assim foi possível falar de uma técnica.

     Na hermenêutica sacra existia muito a doutrina dos mistérios. O mistério necessita do processo de desvelamento, que é uma saga de amadurecimento do próprio indivíduo, que ao final ele vai chegar a um tipo de verdade, mas não é uma verdade concreta, sempre existirá o mistério.

     A ciência em Descartes e Bacon afirma que todos os mistérios podem ser revelados a partir de sistemas racional de interpretação, da matemática.

     A ciência não lida bem com o mistério. Veja como o Max (filme Pi) surta quando não consegue descobrir o significado dos 216 números. A ciência chega até certo ponto a reconhecer que ela não pode explicar certos procedimentos, e isso é um grande problema para a ciência. O que vai se ter não é mais uma verdade em teologia, será uma verdade matemática, empírica que pode ser apropriada pelo homem.

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RECORTES: GRONDIN (tradução de Benno Dischiger), Introdução à hermenêutica
Flacius: a universalidade do gramatical

Flacius, com sua "Clavis scripturae sacrae", de 1567, forneceu a primeira hermenêutica da Sagrada escritura. Pode-se falar, por primeira vez, de uma teoria hermenêutica do protestantismo.  A intenção dele foi de oferecer uma chave (clavis) para decifrar as passagens obscuras da Bíblia.

Segundo Flacius, as obscuridades da Escritura não se devem a ela, porém à falta de conhecimentos de gramática e de línguas, de que a Igreja católica de então se tornara devedora. O domínio da letra, do Gramma, devia fornecer a chave universal das Escrituras. A primeira parte da 'Clavis' foi um dicionário bíblico.

A linguagem aparece aqui como veículo ou meio bíblico de algo diverso. Este meio gramatical deve ser dominado, se se quer avançar para o espírito ou o objeto da Escritura.

Contra a dificuldade gramatical da Escritura, Flacius propõe remédios: a invocação ritual do Espírito Santo, conhecimentos linguísticos, adução de passagens paralelas (que já se encontrava em Agostinho).

Quase não se encontra nenhuma regra hermenêutica em Flacius, que já não poderia ser encontrada nos Padres da Igreja - uma circunstância que não escapou aos historiadores da hermenêutica.

Flacius inspirou-se fortemente também na tradição da retórica, na sua doutrina do "scopus" a intenção na qual o livro foi concebido deveria ser respeitada, isso é um empréstimo direto da retórica. Em seu cerne, o aspecto gramatical é ultrapassado pela intenção que lhe está na base. Na 'Clavis' encontram-se traços esotéricos, que lembram diretamente Orígenes. Em passagens escritas por Flacius aparecem traços de Orígenes, como a conexão feita por Orígenes entre o 'sensus literalis' e o 'espiritualis' como duas espécies de graus de sabedoria.

Com o objetivo de fornecer à Reforma uma chave universal para o esclarecimento das passagens obscuras, Flacius ofereceu uma composição sincrética de uma antiga seriedade hermenêutica, que realçava o aspecto gramatical, mas também assumia certos motivos da alegorese. A sobrevivência de motivos do pensamento alegórico, que fora rejeitado por Lutero, comprovam a impossibilidade de se desenvolver uma hermenêutica meramente gramatical.
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  • Referência
- GRONDIN, Jean - Introdução à hermenêutica filosófica; tradução de Benno Dischiger. São Leopoldo. Ed. UNISINUS, 1999.
- Aula 28/08/2013, Hermenêutica Jurídica, Profº Ronaldo Alencar, com anotações de Régia Carvalho
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Bons estudos!

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