quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Hermenêutica Jurídica - Lição 15 - Escolas Históricas do Direito (Cont.)


     Na perspectiva histórica a hermenêutica não pode ser resumida a uma técnica, todo ato de interpretação traz uma discussão sobre o que é o Direito, e é isso que está em jogo.

     Direito é um produto histórico, surge da consciência nacional, não pode ser resumido a princípios racionais e abstratos. A Escola Histórica criou uma contradição. Existe um risco para alguns juristas de interpretar o direito baseado nesses conceitos. A grande questão é que esses conceitos não possuem uma finalidade em si, são instrumentos criados pelos homens, achar que a norma é autônoma.

     Fazer a completa separação entre a normatividade e a realidade social é isso que a Escola Histórica diz que não deve ser feito. A sociedade não muda mudando a legislação. A ideia de que a ordem normativa tem o condão de mudar a realidade é nefasta. A grande função do legislador é interpretar o costume.

     Toda vez que o legislador tentar antecipar um fato social, ou tentar trazer algo histórico do passado, essa norma não será cumprida. Não adianta nada legalizar o uso de drogas enquanto a sociedade considerar um fato desviante. O legislador deve estar atento e observar a realidade histórica para trazer as questões normativas.

     Os historicistas vão preditar uma forma jurídica pluralista, as formas populares, o costume. O direito é criação do povo, não somente da geração presente, mas nas passadas.

     Um bom exemplo disso é o casamento homoafetivo, qual o grande problema que temos em relação a isso? Os que defendem querem o regime jurídico igual ao do casal de heterossexual, e os que criticam os homoafetivo são os que defendem o instituto histórico. Pelas Escolas do Estrito Legalismo podemos produzir qualquer coisa, se criar o casamento homoafetivo em termos jurídicos ele existe, mas na questão histórica ele não é consolidado. A questão é se nós temos maturidade histórica para introduzir uma nova forma jurídica de casamento.

1. Escola Histórico-dogmática 

Gustavo-Hugo (1764-1844)

      O Direito Natural não pode ser concebido como sistema normativo auto-suficiente, ele serve de complemento hermenêutico para a ordem positiva. Influenciado por Montesquieu (O espírito das Leis), construíram um sistema orgânico do Direito no qual o intérprete não deve apenas utilizar o processo lógico de interpretação, mas sistemático; a lei não deve ser interpretada de forma única e o intérprete deve adequar a interpretação da lei à expressão da consciência coletiva de um povo. 

Savigny (1779-1861)

     Savigny aplicou o historicismo no Direito, talvez tenha sido o primeiro a criar um método de interpretação histórica. Ele criou a escola que se tornou paradigma durante muito tempo, ele criou o sistema tradicional de interpretação que durou um século até a hermenêutica ir para outra lado da interpretação. A ciência jurídica em Savigny é uma ciência da interpretação, ele categorizou os métodos tradicionais de interpretação, que são a gramatical, a lógica, a sistemática e a histórica.

     O livro Metodologia jurídica é onde Savigny dispõe os métodos da interpretação que ele criou.

     Se o Direito é uma ciência, é um "ciência hermenêutica" não possui outra existência senão no campo da interpretação. É o primeiro autor a falar de uma hermenêutica jurídica.

     Propõe que existem uma estrutura sistêmica na ciência legislativa formada pelo direito privado e pelo direito penal.

     "Porém encontramos que a legislação real é dupla, porque: - estabelece os direitos que o Estado quer garantir para os cidadãos particulares: o direito privado ou civil; - refere-se às disposições que ele estabelece para proteger as leis: o direito penal" (SAVIGNY, Metodologia jurídica, pág. 1)

- A ciência legislativa é histórica

     Para entende-la tem que saber como foram construídas historicamente, tem o retorno às origens do passado, quem propõe o retorno ao passado para saber do presente é Schleiermacher, foi o primeiro a dizer isso. Ele traz a necessidade para o estudo do Direito a necessária historigrafia, significa que ele cria um método de historigrafia jurídica. Método para investigar historicamente as origens do instituto jurídico. 

     Fazer uma análise histórica é um método, então se está fazendo um trabalho de historigrafia jurídica tem que fazer somente nesse método, e não terminar aplicando outro método.

     O método que Savigny criou foi o de historigrafia jurídica. Ele sistematizou os métodos presentes, inclusive os da Escola do Estrito Legalismo, e lançou no meio deles a questão do método histórico.

- A ciência legislativa é filosófica: o estudo da jurisprudência.

     Ele foi o que veio antes de Hans Kelsen, Savigny criou o estatuto da ciência jurídica. Hans Kelsen quis romper com os paradigmas jurídicos e criar outro.

     Savigny começou primeiro com a interpretação gramática, em geral Chladenius estudou isso. A interpretação lógica busca a compreensão da conclusão dos argumentos presentes na lei (compreensão racional do pensamento da lei), esses dois métodos foram amplamente utilizado nas Escolas do Estrito Legalismo.

     A interpretação sistêmica também é uma interpretação lógica associada ao estrito legalismo. Sobre o círculo hermenêutico parte do pressuposto que se tem como encontrar a solução das partes obscuras a partir da análise de outras partes do texto, sempre vai encontrar a interpretação de forma unitária (parte do todo e todo da parte). É a configuração da relação das partes entre si e com um todo orgânico.

     Os pressupostos do círculo hermenêutico é que não existe obscuridade e o ordenamento é autossuficiente.

     Quem vai criar uma excelente interpretação sistêmica é Hans Kelsen. Hoje quase toda interpretação é sistêmica, a interpretação constitucional é sistêmica. O sujeito pega o sistema divide em diversos regimes, faz uma escalonação legislativa, consequentemente terá como suprir passagens dentro do ordenamento jurídico. O direito do trabalho tem seu próprio regime, mas subsidiariamente usa de outros regimes. Apesar das distinções, o ordenamento jurídico funciona como um todo.

     Uma das maiores formas de interpretação sistêmica é o direito trabalhista, outro é o direito do consumidor, pois a legislação trabalhista não é suficiente para exaurir toda a prática trabalhista/ consumerista, esses microsistemas legislativos fazem referência à legislações espaças e também da seara trabalhista, para ver se o trabalhador tem ou não direito, tem que fazer interpretação profunda passando por jurisprudência, decretos, entre outros. A CLT é para ser interpretada com a aplicação da norma em bloco, em consonância com outras normas, o Código de Defesa do Consumidor também, com o conhecimento do direito civil.

     A teoria de Savigny é a interpretação histórica, segundo ele a melhor forma de compreender a essência de uma lei seria pela história, a lei como produto de um momento histórico para um determinado povo. Relembrando do perspectivismo jurídico - esquema de interpretação histórica. Vamos pensar que você coloca o texto de lei aqui. Lei da anistia vai para a intencionalidade do texto, depois o interesse consciente do autor, de modo explícito o que ele manifesta? quem é o destinatário do texto e por qual motivo escreve-o? E pelo interesse não consciente do autor deve-se descobrir o que está nas entrelinhas de acordo com o conjunto de valores morais, éticos que o autor viveu, a classe social, a educação religiosa...

     A intensão elitista não é consciente, o legislador elabora de acordo como ele estruturou a vida.

     A escola histórica propõe-se a uma crítica a um Direito racional, critica porque vai em busca dos reais elementos que motivam a criação da lei.

Escola Histórica-evolutiva ou atualizadora

     "A escola Histórico-Evolutiva, recebeu uma forte influência da Escola Histórica de Savigny no que dizia respeito à valorização do papel dos usos e costumes e da tradição do povo na formação do direito (...) E de um passo adiante quando passou a defender que  principal pepel do intérprete era fazer com que o Direito permanecesse atual e em consonância com as exigências sociais" (AQUINO, 2009, pág. 97).

     A função do Direito é mudar a sociedade ou adaptar-se à sociedade? Estamos debatendo a mutabilidade das normas. Quando devemos fazer a alteração legislativa? Esse é o grande problema, a mutabilidade social e a mutabilidade normativa. O Direito é estático. A questão histórica é: de que adianta um Direito que vive nas alturas se a sociedade já caminhou para outro canto? o grande problema é a mutabilidade.

     Assim, para adaptar-se às mudanças sociais, "os seguidores da Escola Histórico-Evolutiva acrescentaram certa medida de função criadora, de modo que o Direito pudesse acompanhar as transformações sociais. Não obstante, deveria o intérprete ou aplicador manter-se no âmbito da lei" (HERKENHOFF, 1994, pág. 43).

     Temos 25 anos da Constituição, o grande problema é criar uma realidade social que dê suporte histórico, e isso só pode ser construído historicamente. Tem que ter maturidade histórica para utilizar das ferramentas populares de intervenção do legislativo, com níveis altos de analfabetismo não há como fazer isso. Fomos acostumados a ser governados. Nossa legislação é boa mas carece da prática social.

     Frase de Savigny: "A lei é um corpo dotado de vida própria". Essa perspectiva da mutabilidade é como a lei é uma criação histórica ela vai construir durante a história.

     Essa autonomia legislativa criticada por historicistas, é autonomia que lhe retiram o sentido histórico. Vamos pensar nos costumes, a melhor maneira de pensar em mutabilidade é no costume. Se observar o costume do últimos 60 anos veremos a diferença, a legislação passa por isso também, só que essa alteração é feita pela interpretação, e a interpretação histórica também tem essa possibilidade de salvar a lei por uma mutação correlata ao tempo histórico. Tudo isso é para questão de garantir a aplicabilidade, uma lei não foi construída para ficar na altura, tem que ter aplicabilidade e o melhor mecanismo para isso é a interpretação histórica. A mutabilidade das normas pela via hermenêutica.

     O juiz deve adaptar a lei ao contexto social atual através dos métodos de investigação sócio-histórica. "Feita a lei, ela não fica, com efeito, adstrita às suas fontes originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É indispensável estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para ver quais as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-las à situações supervenientes" (REALE, 2002, pág. 282)

     "Entendia a escola que a lei deveria ser considerada como portadora de vida própria, de maneira que correspondesse não apenas às necessidades que lhe deram origem, mas também às necessidades supervenientes. Observasse o intérprete não apenas o que o legislador quis, porém também o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei; adaptasse a velha lei aos tempos novos, dando vida aos códigos" (HERKENHOFF, 1994, pág. 43).

     A lei é um pensamento expresso em palavras, consequentemente ele deve ser interpretado. Segundo Herkenhoff, dentre os vários possíveis pensamentos da lei, deve ser preferido aquele mediante o qual a lei exteriorize o sentido mais razoável, mais salutar e que produza o efeitos mais benéfico, e complemente que, se mesmo assim não conseguir um resultado seguro, deve-se recorrer às aspirações e preocupações da lei, os fins, às intenções e desejos que agitavam o meio no tempo em que foi a lei editada (pág. 43).


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  • Referência
- AQUINO, Jorge. Hermenêutica Jurídica. Natal/RN: KMP Gráfica, 2009. 
- HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o Direito (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-política). 3ª ed, rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994
- REALE, Miguel. Lições preliminares do direito, 27ª ed. ajustada ao novo código civil - São Paulo: Saraiva, 2002
- SAVIGNY, Friedrich Karl von. 1779-1861. Metodologia Jurídica. tradução do alemão para o espanhol J.J. Santa-Printer, tradução para o português Hebe A. M. Caletti Marenco; adequação linguística Regina Célia de Carvalho Paschoal Lima - Campinas, SP: Edicamp, 2001.
- Aula 16/10/2013, Hermenêutica Jurídica, Prof. Ronaldo Alencar, com anotações de Régia Carvalho.
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